Editorial
Mariana Diniz, Directora da UNIARQ
Este é o primeiro Editorial que escrevo na condição de Directora do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), pois começo agora o mandato de 4 anos para o qual fui eleita, no passado Novembro. Neste novo começo, como referiu, no último número desta newsletter, o antigo Director, Carlos Fabião, assumo com a UNIARQ e os seus Investigadores um compromisso duplo: preservar todos os elementos de excelência da Arqueologia da UNIARQ, procurar novos caminhos onde o Centro de Arqueologia possa assumir um papel de destaque.
No Programa de Trabalhos que apresentei aquando da minha candidatura foram enunciados alguns dos principais desafios que se nos apresentam no imediato; espaços e equipamentos, crescimento da equipa, fontes de financiamento – tópicos sempre em aberto numa unidade de investigação que, como um ser vivo, possui dinâmicas próprias de desenvolvimento.
Mas os desafios que se colocam à UNIARQ são enfrentados em colectivo. Para além do empenho dos que assumem tarefas especificas, as duas sub-directoras, Elisa de Sousa e Cleia Detry, o secretário cientifico, André Pereira, o Centro de Arqueologia é o resultado das múltiplas acções que todos, Investigadores, Colaboradores, Bolseiros de Doutoramento levam a cabo no decurso dos projectos que desenvolvem. Estaremos aqui, como Direcção, para apoiar e para promover as iniciativas daqueles que são os seus membros, estaremos aqui para abrir e consolidar pontes com outros parceiros, estaremos aqui para tornar público o Conhecimento que produzimos (e o número da National Geographic dedicado à Pré-história é, obviamente, um exemplo a seguir).
O futuro não é claro, algumas nuvens, próximas e longínquas, vêem-se no horizonte, mas o tempo tem que ser de determinação. Estão aqui os sinais: o prémio atribuído pela Universidade de Lisboa/CGD, a João Zilhão, autor de um livro a lançar esta semana sobre Portugal na Idade do Gelo, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, a participação massiva dos Investigadores da UNIARQ nas diferentes sessões do IV Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no Congresso Internacional “Olisipo Entre Mares” organizado pelo Projecto Lisboa Romana - Felicitas Iulia Olisipo, e no encontro comemorativos dos 100 anos do Dolmen de Soto, realizado no âmbito do VII Congreso Internacional de Arte e Megalitismo (CIMAR). Ao mesmo tempo, os trabalhos dos jovens investigadores da UNIARQ, residentes e visitantes reflectem o papel da formação avançada no quadro deste centro de investigação que desde sempre, em estreita parceria com a Área de História da Faculdade de Letras de Lisboa, garantiu que na FLUL, ensino e investigação fossem, em Arqueologia, indissociáveis.
Este é o último Editorial do ano de 2023, mas o balanço já foi feito. Para o ano de 2024, espera-se o processo, sempre complexo, de avaliação dos novos programas estratégicos das unidades de investigação, momento em que se traçam as linhas fundamentais da investigação a desenvolver para o período 2025-2028.
Mas antes de planear o futuro, deseja-se, agora, a todos um feliz Natal, tão inclusivo e adaptado à vivência de cada um como o Presépio da Pedra de Ouro. Boas Festas!
No Programa de Trabalhos que apresentei aquando da minha candidatura foram enunciados alguns dos principais desafios que se nos apresentam no imediato; espaços e equipamentos, crescimento da equipa, fontes de financiamento – tópicos sempre em aberto numa unidade de investigação que, como um ser vivo, possui dinâmicas próprias de desenvolvimento.
Mas os desafios que se colocam à UNIARQ são enfrentados em colectivo. Para além do empenho dos que assumem tarefas especificas, as duas sub-directoras, Elisa de Sousa e Cleia Detry, o secretário cientifico, André Pereira, o Centro de Arqueologia é o resultado das múltiplas acções que todos, Investigadores, Colaboradores, Bolseiros de Doutoramento levam a cabo no decurso dos projectos que desenvolvem. Estaremos aqui, como Direcção, para apoiar e para promover as iniciativas daqueles que são os seus membros, estaremos aqui para abrir e consolidar pontes com outros parceiros, estaremos aqui para tornar público o Conhecimento que produzimos (e o número da National Geographic dedicado à Pré-história é, obviamente, um exemplo a seguir).
O futuro não é claro, algumas nuvens, próximas e longínquas, vêem-se no horizonte, mas o tempo tem que ser de determinação. Estão aqui os sinais: o prémio atribuído pela Universidade de Lisboa/CGD, a João Zilhão, autor de um livro a lançar esta semana sobre Portugal na Idade do Gelo, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, a participação massiva dos Investigadores da UNIARQ nas diferentes sessões do IV Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no Congresso Internacional “Olisipo Entre Mares” organizado pelo Projecto Lisboa Romana - Felicitas Iulia Olisipo, e no encontro comemorativos dos 100 anos do Dolmen de Soto, realizado no âmbito do VII Congreso Internacional de Arte e Megalitismo (CIMAR). Ao mesmo tempo, os trabalhos dos jovens investigadores da UNIARQ, residentes e visitantes reflectem o papel da formação avançada no quadro deste centro de investigação que desde sempre, em estreita parceria com a Área de História da Faculdade de Letras de Lisboa, garantiu que na FLUL, ensino e investigação fossem, em Arqueologia, indissociáveis.
Este é o último Editorial do ano de 2023, mas o balanço já foi feito. Para o ano de 2024, espera-se o processo, sempre complexo, de avaliação dos novos programas estratégicos das unidades de investigação, momento em que se traçam as linhas fundamentais da investigação a desenvolver para o período 2025-2028.
Mas antes de planear o futuro, deseja-se, agora, a todos um feliz Natal, tão inclusivo e adaptado à vivência de cada um como o Presépio da Pedra de Ouro. Boas Festas!
NOTÍCIAS
João Zilhão vence Prémio Científico UL/CGD
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O Investigador da UNIARQ João Zilhão foi agraciado com o Prémio Científico Universidade de Lisboa / Caixa Geral de Depósitos na categoria de História e Filosofia (incluindo Arqueologia, História e Filosofia das Ciências).
Os prémios Científicos UL/CGD visam premiar a atividade de investigação científica e a publicação internacional de elevada qualidade e impacto, atributos reconhecidos à carreira de excelência de João Zilhão. A entrega dos prémios decorreu no passado dia 23 de Novembro, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa. |
Carlos Fabião
IV Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses
Realizou-se no passado mês de Novembro, nos dias 22 a 25, na Faculdade de Letras de Coimbra, mais uma edição do Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses que, já na sua 4ª edição, comemora os 160 anos, desta que é a mais antiga associação de defesa do património em Portugal e que contou com números recordes de participantes e de apresentações.
A participação massiva dos Investigadores da UNIARQ, Alexandre Gonçalves, Ana Beatriz Santos, Ana Cristina Araújo, Ana Margarida Arruda, Ana Maria Silva, Ana Olaio, André Tomás Santos, Andrea Martins, Carlos Filipe Ferreira, Carolina Grilo, Catarina Costeira, Catarina Viegas, César Neves, Cláudia Oliveira, Eduardo Méndez Quintas, Elisa de Sousa, Filipa Rodrigues, Francisco B. Gomes, Jacinta Bugalhão, Joan Daura, João Pedro Cunha Ribeiro, João Pimenta, Luis Luis, Mariana Diniz, Mariana Nabais, Miguel Almeida, Miguel Rodrigues, Montserrat Sanz, Nelson J. Almeida, Nireide Pereira Tavares, Patrícia Jordão, Pedro Barros, Pedro Caria, Rui Gomes Coelho, Rute Arvela, Sandra Domingues Gomes, Sara Simões, Sónia Gabriel, Telmo Pereira e Victor Filipe, distribuídos pelas diferentes sessões da Pré-História ao Período Moderno, em que se organizava o Congresso permitiu, de forma clara, constatar a qualidade e o dinamismo da investigação que, não apenas em Portugal, se faz na UNIARQ e cujas actas, já publicadas como tem sido politica da AAP desde o primeiro destes encontros, com edição de José Morais Arnaud, César Neves e Andrea Martins, testemunham.
A participação massiva dos Investigadores da UNIARQ, Alexandre Gonçalves, Ana Beatriz Santos, Ana Cristina Araújo, Ana Margarida Arruda, Ana Maria Silva, Ana Olaio, André Tomás Santos, Andrea Martins, Carlos Filipe Ferreira, Carolina Grilo, Catarina Costeira, Catarina Viegas, César Neves, Cláudia Oliveira, Eduardo Méndez Quintas, Elisa de Sousa, Filipa Rodrigues, Francisco B. Gomes, Jacinta Bugalhão, Joan Daura, João Pedro Cunha Ribeiro, João Pimenta, Luis Luis, Mariana Diniz, Mariana Nabais, Miguel Almeida, Miguel Rodrigues, Montserrat Sanz, Nelson J. Almeida, Nireide Pereira Tavares, Patrícia Jordão, Pedro Barros, Pedro Caria, Rui Gomes Coelho, Rute Arvela, Sandra Domingues Gomes, Sara Simões, Sónia Gabriel, Telmo Pereira e Victor Filipe, distribuídos pelas diferentes sessões da Pré-História ao Período Moderno, em que se organizava o Congresso permitiu, de forma clara, constatar a qualidade e o dinamismo da investigação que, não apenas em Portugal, se faz na UNIARQ e cujas actas, já publicadas como tem sido politica da AAP desde o primeiro destes encontros, com edição de José Morais Arnaud, César Neves e Andrea Martins, testemunham.
Aspectos da participação da UNIARQ no IV CAAP
A par do encontro cientifico estes congressos permitem a reunião de diferentes gerações de arqueólogos, promovem a partilha de metodologias e de problemáticas de investigação, contribuem para a, fundamental, mas frágil, coesão da comunidade arqueológica nacional, única via para atingirmos objectivos comuns.
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Mariana Diniz
Portugal na Idade do Gelo: Território e Habitantes
A Fundação Francisco Manuel dos Santos acaba de publicar o livro "Portugal na Idade do Gelo: Território e Habitantes", da autoria de João Zilhão, investigador coordenador da UNIARQ-FLUL.
O autor, com uma longa carreira de investigação em diversas universidades europeias, foi o responsável científico pela criação do Parque Arqueológico do Côa e pela sua classificação como Património Mundial, e também pela descoberta do "Menino do Lapedo". É graças à sua investigação que hoje temos uma imagem humanizada dos neandertais.
A obra, de base científica sólida, é uma viagem ao passado, até à existência dos humanos mais remotos cujos genes nos foram transmitidos, os seus modos de vida e o território que ocuparam.
O livro encontra-se já disponível para compra nas principais livrarias e no website da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
No próximo dia 6 de Dezembro, quarta-feira, decorrerá a apresentação de "Portugal na Idade do Gelo: Território e Habitantes, pelas 19h00, na Sala Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés, em Lisboa.
Sinopse: Quando o território que hoje é Portugal foi primeiro ocupado pelo homem, a Serra da Estrela estava coberta de gelo e da nossa costa podiam ver-se icebergues à deriva. Os seus bem menos de dez mil habitantes eram caçadores-recolectores que conviviam com leões, hienas, rinocerontes e cavalos numa paisagem de charneca arborizada que recorda as da Escócia actual. Através das jazidas e dos fósseis, reconstitui-se a história que une os portugueses de hoje aos de há meio milhão de anos.
O autor, com uma longa carreira de investigação em diversas universidades europeias, foi o responsável científico pela criação do Parque Arqueológico do Côa e pela sua classificação como Património Mundial, e também pela descoberta do "Menino do Lapedo". É graças à sua investigação que hoje temos uma imagem humanizada dos neandertais.
A obra, de base científica sólida, é uma viagem ao passado, até à existência dos humanos mais remotos cujos genes nos foram transmitidos, os seus modos de vida e o território que ocuparam.
O livro encontra-se já disponível para compra nas principais livrarias e no website da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
No próximo dia 6 de Dezembro, quarta-feira, decorrerá a apresentação de "Portugal na Idade do Gelo: Território e Habitantes, pelas 19h00, na Sala Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés, em Lisboa.
Sinopse: Quando o território que hoje é Portugal foi primeiro ocupado pelo homem, a Serra da Estrela estava coberta de gelo e da nossa costa podiam ver-se icebergues à deriva. Os seus bem menos de dez mil habitantes eram caçadores-recolectores que conviviam com leões, hienas, rinocerontes e cavalos numa paisagem de charneca arborizada que recorda as da Escócia actual. Através das jazidas e dos fósseis, reconstitui-se a história que une os portugueses de hoje aos de há meio milhão de anos.
João Zilhão e André Pereira
Congresso Internacional Olisipo Entre Mares / Between Seas
No quadro do Projecto colaborativo dinamizado pela Câmara Municipal de Lisboa Lisboa Romana Felicitas Iulia Olisipo, realizou-se o Congresso Internacional Olisipo entre mares, com forte participação de investigadores da Uniarq, em diferentes contextos.
A coordenação científica esteve a cargo de Ana Margarida Arruda, Catarina Tente, Rodrigo Banha da Silva e Trinidad Nogales Basarrate, que coordenaram um conjunto de painéis de oradores convidados que se ocuparam da Lisboa pré-romana (Eduardo Ferrer Albelda e Francisco Nuñez Calvo); de Olisipo e Roma (José Maria Álvarez Martínez, Angel Morillo Cerdán e Thomas Schattner); da sociedade olisiponense, abordada em múltiplos aspectos (Amílcar Guerra, José Cardim Ribeiro, José d’Encarnação, Alice Toso e Jonathan Edmondson); de Olisipo no contexto da Lusitânia (Darío Bernal Casasola e Carlos Fabião). Encarregou-se Chris Wickman das conclusões.
A coordenação científica esteve a cargo de Ana Margarida Arruda, Catarina Tente, Rodrigo Banha da Silva e Trinidad Nogales Basarrate, que coordenaram um conjunto de painéis de oradores convidados que se ocuparam da Lisboa pré-romana (Eduardo Ferrer Albelda e Francisco Nuñez Calvo); de Olisipo e Roma (José Maria Álvarez Martínez, Angel Morillo Cerdán e Thomas Schattner); da sociedade olisiponense, abordada em múltiplos aspectos (Amílcar Guerra, José Cardim Ribeiro, José d’Encarnação, Alice Toso e Jonathan Edmondson); de Olisipo no contexto da Lusitânia (Darío Bernal Casasola e Carlos Fabião). Encarregou-se Chris Wickman das conclusões.
Para além das conferências, o Congresso apresentou catorze pósteres, também eles com forte participação de investigadores da UNIARQ, incidindo maioritariamente em temas relativos a diferentes áreas do território olisiponense.
O Congresso perseguiu um duplo objectivo, por um lado, propor a síntese dos conhecimentos adquiridos sobre o sítio de Lisboa, desde os inícios do I Milénio a.C. aos alvores da Idade Média, buscando sobretudo olhares exteriores, por outro, disseminar essa informação por um público interessado, mas não necessariamente especializado. Mais informação na webpage do Congresso, em www.agendalx.pt/events/event/olisipo-entre-mares/. |
Carlos Fabião
Nos 100 anos da descoberta do Dolmen de Soto (Huelva): VII Congreso Internacional de Arte e Megalitismo (CIMAR)
Entre 13 e 15 de Novembro, decorreu em Trigueros, o VII Congreso Internacional de Arte e Megalitismo (CIMAR) sob coordenação de José Linares Catela, Juan Vera, Coronada Mora e Job Flores.
Sobre a história deste encontro, António Faustino de Carvalho (membro do comité científico do VI CIMAR) escreveu uma interessante crónica que aqui partilhamos: www.sulinformacao.pt/2023/11/sepulcros-pre-historicos-de-monchique-e-alcalar-com-lugar-de-destaque-em-congresso-internacional-de-megalitismo/
Destaca-se a integração de várias instituições envolvidas na organização: tendo o município de Trigueros como principal dinamizador e financiador, congregava as Universidades de Huelva e Complutense de Madrid e também os Itinerários Culturais do Conselho da Europa (Megalithic Routes e CARP-Caminos de Arte Rupestre Prehistórico), e contando com o apoio da Junta de Andalucia.
Sobre a história deste encontro, António Faustino de Carvalho (membro do comité científico do VI CIMAR) escreveu uma interessante crónica que aqui partilhamos: www.sulinformacao.pt/2023/11/sepulcros-pre-historicos-de-monchique-e-alcalar-com-lugar-de-destaque-em-congresso-internacional-de-megalitismo/
Destaca-se a integração de várias instituições envolvidas na organização: tendo o município de Trigueros como principal dinamizador e financiador, congregava as Universidades de Huelva e Complutense de Madrid e também os Itinerários Culturais do Conselho da Europa (Megalithic Routes e CARP-Caminos de Arte Rupestre Prehistórico), e contando com o apoio da Junta de Andalucia.
Também em termos temáticos, se procurou uma abordagem de múltiplas escalas de análise. Partindo de uma aturada abordagem monográfica sobre o Dolmen de Soto, o extraordinário monumento foi enquadrado essencialmente no Sudoeste Peninsular, mas também nas principais linhas interpretativas globais do Megalitismo europeu. Entre as 15 comunicações de oradores de várias nacionalidades, registaram-se três dedicadas a sítios e contextos portugueses “clássicos” na historiografia do Megalitismo do Sudoeste Peninsular: a necrópole de Alcalar e os seus 145 anos de investigação foram apresentados por Elena Morán e Rui Parreira (UNIARQ, CM Lagos), a necrópole de Monchique e as novas investigações por António Faustino de Carvalho (Universidade do Algarve) e as pesquisas do casal Leisner e a questão das “Antas Grandes” do Alentejo por Ana Catarina Sousa e Victor S. Gonçalves (UNIARQ / FLUL).
Os intensos dias de trabalho reforçaram a importância de articular diferentes vertentes relacionadas com o património megalítico: difusão / valorização e investigação e da importância das redes regionais e internacionais na compreensão e promoção do Megalitismo europeu. |
Ana Catarina Sousa, Elena Morán e Rui Parreira
National Geographic Magazine Edição Especial Pré-história Ibérica
Foi publicado um volume especial da revista National Geographic, dedicado à Pré-História da Península Ibérica, com a colaboração de investigadores da UNIARQ, na produção de textos e imagens e na revisão de conteúdos.
O volume abrange temas variados, como o dos mais antigos vestígios humanos, onde o crânio da Aroeira e o menino do Lapedo são convocados, a par de Orce e Atapuerca; a arte pré-histórica, de Altamira ao Côa, estendendo-se às múltiplas manifestações do simbólico. O fenómeno megalítico, na sua diversidade, e os extraordinários povoados de La Draga e Perdigões marcam igualmente presença.
O volume abrange temas variados, como o dos mais antigos vestígios humanos, onde o crânio da Aroeira e o menino do Lapedo são convocados, a par de Orce e Atapuerca; a arte pré-histórica, de Altamira ao Côa, estendendo-se às múltiplas manifestações do simbólico. O fenómeno megalítico, na sua diversidade, e os extraordinários povoados de La Draga e Perdigões marcam igualmente presença.
Louva-se, em primeiro lugar, este importante contributo de disseminação da informação construída a partir da investigação arqueológica junto de públicos indiferenciados, de temas habitualmente pouco tratados nos meios de comunicação social, merece igualmente destaque a abordagem abrangente, peninsular, como contributo para a divulgação em ambos países dos desenvolvimentos do conhecimento, bem como, o esforço de envolver na publicação reputados especialistas, funcionando os redactores da NGM como mediadores dos discursos técnicos, adaptando-os para públicos generalistas.
Um volume interessante para estudantes e outros curiosos sobre as coisas do nosso passado remoto.
Um volume interessante para estudantes e outros curiosos sobre as coisas do nosso passado remoto.
Carlos Fabião
Presépio da Aldeia: Pedra sobre Pedra sobre Pedra de Ouro (Alenquer)
No coração da Pedra de Ouro, a comunidade celebrou, no passado dia 2 de dezembro de 2023 pelas 22h00, a reabertura do seu “Presépio da Aldeia”, um evento que simboliza a união, coesão e a continuidade das tradições. Após um interregno causado pela pandemia da COVID-19, este presépio à escala real foi novamente erguido, incorporando não só as figuras centrais deste momento histórico, mas também as artes, ofícios e locais emblemáticos desta localidade, tanto do passado como do presente.
A noite de inauguração foi marcada por uma adesão surpreendente, com cerca de 400 visitantes, uma cifra quase dez vezes superior à população local, evidenciando o forte apreço a esta iniciativa. Dentro dos vários elementos e figuras do presépio, destacaram-se os representantes dos ofícios tradicionais como oleiros, moleiros, pedreiros, ferradores e serralheiros, assim como espaços significativos da aldeia - o moinho, a azenha e a Igreja.
Este ano, a grande novidade foi a inclusão da Estação Arqueológica da Pedra de Ouro, uma representação fiel e educativa que conecta a comunidade e os visitantes ao seu passado, ao passado daquele lugar. Esta iniciativa foi uma acção espontânea da comunidade, completa surpresa para a equipa de Arqueologia. Neste espaço, encontramos uma figura, em acção, representativa dos investigadores da UNIARQ, empunhando um machado em alusão às recentes campanhas de trabalho de campo realizadas no sítio arqueológico (2022-2023), que incluíram a desmatação do coberto arbustivo sobre o sítio e suas estruturas. Além disso, uma torre calcolítica construída à escala real, utilizando as mesmas técnicas e materiais da época, não só honra a arquitectura do local, como simboliza a adopção da herança cultural por esta comunidade.
A noite de inauguração foi marcada por uma adesão surpreendente, com cerca de 400 visitantes, uma cifra quase dez vezes superior à população local, evidenciando o forte apreço a esta iniciativa. Dentro dos vários elementos e figuras do presépio, destacaram-se os representantes dos ofícios tradicionais como oleiros, moleiros, pedreiros, ferradores e serralheiros, assim como espaços significativos da aldeia - o moinho, a azenha e a Igreja.
Este ano, a grande novidade foi a inclusão da Estação Arqueológica da Pedra de Ouro, uma representação fiel e educativa que conecta a comunidade e os visitantes ao seu passado, ao passado daquele lugar. Esta iniciativa foi uma acção espontânea da comunidade, completa surpresa para a equipa de Arqueologia. Neste espaço, encontramos uma figura, em acção, representativa dos investigadores da UNIARQ, empunhando um machado em alusão às recentes campanhas de trabalho de campo realizadas no sítio arqueológico (2022-2023), que incluíram a desmatação do coberto arbustivo sobre o sítio e suas estruturas. Além disso, uma torre calcolítica construída à escala real, utilizando as mesmas técnicas e materiais da época, não só honra a arquitectura do local, como simboliza a adopção da herança cultural por esta comunidade.
A presença da Estação Arqueológica no “Presépio da Aldeia” serve como um poderoso lembrete de que a Arqueologia é uma ciência dinâmica e integrada, que desempenha um papel essencial na difusão do conhecimento e na celebração da história e cultura comunitárias. Este evento, ao vincular de forma viva o passado ao presente, reforça a identidade destas gentes a um espaço, a uma paisagem, a um microcosmo e sublinha o valor inestimável do património arqueológico na compreensão da nossa própria história.
André Texugo e Ana Catarina Sousa
INVESTIGAÇÃO NA UNIARQ
Daniel van Calker - Bolseiro de Doutoramento FCT (2021.07362.BD)
O “Megalitismo de gruta” na Estremadura. As práticas funerárias do 4º e 3º milénio a.n.e.
A utilização de cavidades cársicas como espaços da morte desempenhou um papel fundamental no conjunto de práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. As evidências provenientes destes sepulcros são essenciais para a discussão da génese e da fase de apogeu deste fenómeno no Centro e Sul do atual território português. A região da Estremadura, pelas suas características geológicas, foi selecionada como área de estudo, encontrando-se cartografados mais de uma centena de sepulcros com estas características. Em concreto, optou-se por eleger duas áreas micro-regionais com elevado potencial analítico (correspondentes à delimitação administrativa dos concelhos de Alcanena e Torres Vedras), no sentido de aferir a heterogeneidade de comportamentos funerários que se reconhece empiricamente. Este é um exercício que se assume relevante, na medida em que permite confrontar um território cujos sepulcros são essencialmente constituídos por contextos naturais e um território com um polimorfismo arquitetónico muito significativo. Conjugam um total de 29 sepulcros, subdivididos pelas principais arquiteturas da morte da Estremadura portuguesa: grutas naturais, antas, grutas artificiais e tholoi.
Um dos objetivos fundamentais deste trabalho consiste precisamente na procura de fatores explicativos, através da avaliação crítica dos vários contextos, para a diversidade de soluções funerárias à escala regional – se a geologia terá desempenhado um papel de condicionante, que outros critérios poderão ter sido relevantes nesta diferenciação? Em simultâneo, pretende-se afirmar a importância das grutas naturais na compreensão das práticas funerárias neolíticas e calcolíticas, justificando-se a produção de um quadro crono-cultural de referência para melhor enquadrar os dados de carácter relativo. A acumulação e compilação de toda esta informação irá potenciar uma abordagem de análise em rede que, por sua vez, facilitará a leitura dos subsistemas simbólicos vigentes e de que forma estes se encontram relacionados com as arquiteturas da morte. Este projeto, com pouco mais de um ano após o seu início, tem-se focado essencialmente na etapa de adquirição de dados e um tratamento preliminar dos mesmos. Assim, e antes do seu encerramento para obras de requalificação, foi realizado um estudo exaustivo das coleções depositadas no Museu Nacional de Arqueologia, privilegiando também a consulta do seu arquivo institucional relativo aos sítios que se reportam a este trabalho de investigação e que se considera fundamental na justa medida em que possibilita a reconstituição das condições destas grutas-necrópole, frequentemente intervencionadas há várias décadas. Presentemente, o projeto está dedicado ao mesmo tipo de análise no Museu Municipal Leonel Trindade em Torres Vedras e pretende dar continuidade a esta etapa no Museu dos Serviços Geológicos. Ainda no âmbito deste trabalho propõe-se a relocalização precisa destas necrópoles (tendo em vista a inserção de dados em SIG) e o consequente registo gráfico destes espaços físicos (recorrendo, sempre que necessário, à utilização de dispositivos com sensores LiDAR). Este projeto é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia sob a orientação de Ana Catarina Sousa (UNIARQ-FLUL). |
INVESTIGADOR VISITANTE NA UNIARQ
Sonia López-Chamizo (Universidade de Málaga)
Sonia López Chamizo é arqueóloga e encontra-se a fazer a sua tese de doutoramento na Universidade de Málaga e a desenvolver estadias de investigação na Universidade de Lisboa. A estadia que realizou na UNIARQ em novembro enquadra-se nos estudos avançados em Humanidades com menção internacional em colaboração com a Universidade de Málaga. Os objectivos desta segunda fase da estadia centraram-se na realização de análises comparativas entre as sequências arqueológicas incluídas no projecto colonizador fenício e, de forma diacrónica, a sua integração na órbita de Roma. A espinha dorsal da investigação centra-se na análise do fenómeno funerário, como possível expressão social, nos sistemas de crenças da vida após a morte e na criação de novas identidades perante contactos multiétnicos. Durante a estadia pode aprofundar a dinâmica associada ao aparecimento das mensae do impressionante sítio de Tróia e relacioná-las com os documentos da necrópole do Norte de Málaga. Teve também a oportunidade de participar na atividade presencial que decorre no centro, fazendo uma apresentação dos novos desenvolvimentos alcançados até ao momento no âmbito da tese de doutoramento, em aula aberta no âmbito do Mestrado em Arqueologia da Faculdade de Letras.
PEÇA DO MÊS
Anforisco de vidro polícromo
Proveniência: Herdade do Gaio (Sines, Portugal)
Cronologia: Final do século VI – inícios do V a.C.
Direcção dos trabalhos: José Miguel da Costa (1966)
Descrição: Anforisco de vidro polícromo formado sobre núcleo friável. A sua altura máxima é de 10,55cm e o diâmetro máximo de 4,85cm, ao passo que o diâmetro do bordo é de 2,85cm.
Esta peça, integrável com segurança no Grupo Mediterrâneo 1 de Fossing (1940: 42-85) e Harden (1981: 58-60) (v. tb. McClellan 1984: 28-76; Grose 1989: 110-115), apresenta um bordo em disco ligeiramente inclinado para o interior, um colo cilíndrico, e um corpo bicónico assimétrico cuja porção superior, mais curta, se encontra separada da porção inferior, mais longa, por um ombro relativamente alargado. O pé da peça encontra-se assinalado por um botão de tendência toróide.
Este pequeno recipiente contaria com duas asas (uma das quais hoje parcialmente perdida) arrancando sob o bordo e terminando na quebra que marca a separação entre o colo e o corpo. Estes elementos de preensão ou suspensão foram realizados mediante o acrescento de vidro adicional, trabalhado a quente para a obtenção da configuração desejada.
O corpo da peça foi elaborado em vidro azul-de-cobalto, sobre o qual se aplicaram fios decorativos de tonalidade amarelo-de-cádmio e azul-turquesa. Apresenta, na zona do colo, uma decoração simples em espiral formada por um único fio de vidro amarelo-de-cádmio. Esta aplicação em espiral continua, com voltas mais apertadas, na porção superior do corpo.
Partindo do ombro, e até sensivelmente metade da porção inferior do corpo, as bandas amarelas resultantes desta aplicação em espiral foram alternadas com outras, de tonalidade azul-turquesa. A banda zonada resultante desta aplicação foi posteriormente deformada a intervalos regulares mediante o arrastamento de uma ferramenta apropriada (p. ex., um par de pinças metálicas), obtendo assim um padrão em zig-zag. A ação desta ferramenta é também apreciável no aspeto da superfície da peça, que apresenta sulcos ou nervuras coincidentes com os ‘picos e vales’ do motivo decorativo.
Abaixo desta característica banda decorativa, a peça apresenta ainda a continuidade da já citada espiral amarela (duas voltas adicionais). A porção inferior da peça encontra-se decorada com uma outra espiral amarela (três voltas), parcialmente deformada, talvez como resultado do movimento geral da superfície durante a execução da banda em zig-zag.
As características morfológicas desta peça aproximam-na do Tipo I:1 de D. F. Grose (1989: 130-131), ao passo que o seu padrão decorativo parece enquadrar-se na Classe I:B do mesmo autor (Grose 1989: 112), que constitui de longe a mais bem representada nos recipientes do Grupo Mediterrâneo 1.
Comentário: Os recipientes modelados sobre núcleo friável do Grupo Mediterrâneo 1 correspondem a produções do âmbito do Egeu que alcançaram uma ampla difusão à escala do Mediterrâneo e também das suas áreas limítrofes. Essa difusão alcança também o território peninsular, onde os achados de exemplares atribuíveis a este grupo são relativamente comuns, alcançando uma distribuição geográfica considerável (Feugère 1989; Gomes 2023: Fig. 5), em certa medida comparável à de outros produtos gregos grosso modo contemporâneos, como a cerâmica ática.
A chegada destas peças para o Ocidente do Mediterrâneo, contudo, parece ter-se operado por distintas vias. Se não pode excluir-se nalguns casos uma difusão direta através do comércio grego, no caso da fachada atlântica peninsular parece muito provável que estes pequenos recipientes e os seus conteúdos tenham chegado por via do comércio púnico. O perfil das formas documentadas na região é, de facto, comparável ao que se aprecia em núcleos púnicos do Sul peninsular, afastando-se pelo contrário do padrão observado na colónia grega de Emporion (Empúries, Girona), no Nordeste Peninsular (Gomes no prelo).
Os produtos aromáticos/ cosméticos que se presume terem estado contidos nestas peças vêm suprir, na Península Ibérica, um vazio deixado com a quebra do comércio de perfumes fenícios e gregos arcaicos, que se pode rastrear no registo arqueológico através da presença das chamadas oil bottles fenícias e dos aryballoi e outros recipientes coríntios e da Grécia de Leste (Gomes 2023).
A sua popularidade – sem dúvida amplificada pelas qualidades estéticas dos próprios recipientes – é reveladora da importância dos perfumes e substâncias aromáticas para as populações locais. Essa importância expressa-se quer no âmbito dos cuidados corporais, enquadrados numa lógica mais vasta de representação social e identitária centrada no corpo e na corporalidade, quer no âmbito funerário e também religioso.
Não é, por isso, surpreendente que o anforisco da Herdade do Gaio (juntamente com um fragmento de um alabastron também de vidro) tenha sido recuperado num contexto funerário certamente pertencente a um indivíduo com uma elevada relevância social. Com efeito, da mesma sepultura – infelizmente descoberta e explorada no contexto de trabalhos agrícolas (Costa 1967; 1972) procede um vasto conjunto de objetos de adorno, muitos dos quais de origem exógena (v. Silva & Gomes 1992: Fig. 52; Correia 2021).
Destaca-se, neste conjunto, a ourivesaria, representada por um diadema articulado e duas arrecadas com decoração figurativa, amplamente estudados (Correia, Parreira & Silva 2013: 68 e 71-72), além de diversas contas de ouro. Contudo, merecem também destaque os numerosos objetos de adorno em matérias-primas exóticas ali recolhidos, com destaque para as contas e pendentes de vidro, âmbar e cornalina (Correia 2021: 151).
Todos estes elementos indiciam um importante investimento da comunidade no cuidado e adorno corporal do defunto ou, mais provavelmente, da defunta. Por outro lado, este espólio é revelador de uma procura consistente de bens mediterrâneos por parte das comunidades locais do Sul de Portugal. Essa procura explica-se não só por uma apreciação estética por estes materiais, mas também pelo papel que os mesmos desempenham na projeção de determinadas identidades sociais. A estes fatores, contudo, haveria a somar uma função metonímica, em que o consumo e ostentação destes materiais sinaliza o acesso dessas comunidades a uma escala de relações e interações a longa distância, reclamando simbolicamente o seu lugar nas redes sociopolíticas do Mediterrâneo.
Local de depósito: Museu Municipal de Sines
Cronologia: Final do século VI – inícios do V a.C.
Direcção dos trabalhos: José Miguel da Costa (1966)
Descrição: Anforisco de vidro polícromo formado sobre núcleo friável. A sua altura máxima é de 10,55cm e o diâmetro máximo de 4,85cm, ao passo que o diâmetro do bordo é de 2,85cm.
Esta peça, integrável com segurança no Grupo Mediterrâneo 1 de Fossing (1940: 42-85) e Harden (1981: 58-60) (v. tb. McClellan 1984: 28-76; Grose 1989: 110-115), apresenta um bordo em disco ligeiramente inclinado para o interior, um colo cilíndrico, e um corpo bicónico assimétrico cuja porção superior, mais curta, se encontra separada da porção inferior, mais longa, por um ombro relativamente alargado. O pé da peça encontra-se assinalado por um botão de tendência toróide.
Este pequeno recipiente contaria com duas asas (uma das quais hoje parcialmente perdida) arrancando sob o bordo e terminando na quebra que marca a separação entre o colo e o corpo. Estes elementos de preensão ou suspensão foram realizados mediante o acrescento de vidro adicional, trabalhado a quente para a obtenção da configuração desejada.
O corpo da peça foi elaborado em vidro azul-de-cobalto, sobre o qual se aplicaram fios decorativos de tonalidade amarelo-de-cádmio e azul-turquesa. Apresenta, na zona do colo, uma decoração simples em espiral formada por um único fio de vidro amarelo-de-cádmio. Esta aplicação em espiral continua, com voltas mais apertadas, na porção superior do corpo.
Partindo do ombro, e até sensivelmente metade da porção inferior do corpo, as bandas amarelas resultantes desta aplicação em espiral foram alternadas com outras, de tonalidade azul-turquesa. A banda zonada resultante desta aplicação foi posteriormente deformada a intervalos regulares mediante o arrastamento de uma ferramenta apropriada (p. ex., um par de pinças metálicas), obtendo assim um padrão em zig-zag. A ação desta ferramenta é também apreciável no aspeto da superfície da peça, que apresenta sulcos ou nervuras coincidentes com os ‘picos e vales’ do motivo decorativo.
Abaixo desta característica banda decorativa, a peça apresenta ainda a continuidade da já citada espiral amarela (duas voltas adicionais). A porção inferior da peça encontra-se decorada com uma outra espiral amarela (três voltas), parcialmente deformada, talvez como resultado do movimento geral da superfície durante a execução da banda em zig-zag.
As características morfológicas desta peça aproximam-na do Tipo I:1 de D. F. Grose (1989: 130-131), ao passo que o seu padrão decorativo parece enquadrar-se na Classe I:B do mesmo autor (Grose 1989: 112), que constitui de longe a mais bem representada nos recipientes do Grupo Mediterrâneo 1.
Comentário: Os recipientes modelados sobre núcleo friável do Grupo Mediterrâneo 1 correspondem a produções do âmbito do Egeu que alcançaram uma ampla difusão à escala do Mediterrâneo e também das suas áreas limítrofes. Essa difusão alcança também o território peninsular, onde os achados de exemplares atribuíveis a este grupo são relativamente comuns, alcançando uma distribuição geográfica considerável (Feugère 1989; Gomes 2023: Fig. 5), em certa medida comparável à de outros produtos gregos grosso modo contemporâneos, como a cerâmica ática.
A chegada destas peças para o Ocidente do Mediterrâneo, contudo, parece ter-se operado por distintas vias. Se não pode excluir-se nalguns casos uma difusão direta através do comércio grego, no caso da fachada atlântica peninsular parece muito provável que estes pequenos recipientes e os seus conteúdos tenham chegado por via do comércio púnico. O perfil das formas documentadas na região é, de facto, comparável ao que se aprecia em núcleos púnicos do Sul peninsular, afastando-se pelo contrário do padrão observado na colónia grega de Emporion (Empúries, Girona), no Nordeste Peninsular (Gomes no prelo).
Os produtos aromáticos/ cosméticos que se presume terem estado contidos nestas peças vêm suprir, na Península Ibérica, um vazio deixado com a quebra do comércio de perfumes fenícios e gregos arcaicos, que se pode rastrear no registo arqueológico através da presença das chamadas oil bottles fenícias e dos aryballoi e outros recipientes coríntios e da Grécia de Leste (Gomes 2023).
A sua popularidade – sem dúvida amplificada pelas qualidades estéticas dos próprios recipientes – é reveladora da importância dos perfumes e substâncias aromáticas para as populações locais. Essa importância expressa-se quer no âmbito dos cuidados corporais, enquadrados numa lógica mais vasta de representação social e identitária centrada no corpo e na corporalidade, quer no âmbito funerário e também religioso.
Não é, por isso, surpreendente que o anforisco da Herdade do Gaio (juntamente com um fragmento de um alabastron também de vidro) tenha sido recuperado num contexto funerário certamente pertencente a um indivíduo com uma elevada relevância social. Com efeito, da mesma sepultura – infelizmente descoberta e explorada no contexto de trabalhos agrícolas (Costa 1967; 1972) procede um vasto conjunto de objetos de adorno, muitos dos quais de origem exógena (v. Silva & Gomes 1992: Fig. 52; Correia 2021).
Destaca-se, neste conjunto, a ourivesaria, representada por um diadema articulado e duas arrecadas com decoração figurativa, amplamente estudados (Correia, Parreira & Silva 2013: 68 e 71-72), além de diversas contas de ouro. Contudo, merecem também destaque os numerosos objetos de adorno em matérias-primas exóticas ali recolhidos, com destaque para as contas e pendentes de vidro, âmbar e cornalina (Correia 2021: 151).
Todos estes elementos indiciam um importante investimento da comunidade no cuidado e adorno corporal do defunto ou, mais provavelmente, da defunta. Por outro lado, este espólio é revelador de uma procura consistente de bens mediterrâneos por parte das comunidades locais do Sul de Portugal. Essa procura explica-se não só por uma apreciação estética por estes materiais, mas também pelo papel que os mesmos desempenham na projeção de determinadas identidades sociais. A estes fatores, contudo, haveria a somar uma função metonímica, em que o consumo e ostentação destes materiais sinaliza o acesso dessas comunidades a uma escala de relações e interações a longa distância, reclamando simbolicamente o seu lugar nas redes sociopolíticas do Mediterrâneo.
Local de depósito: Museu Municipal de Sines
Bibliografia:
Correia, V. H. (2021) – O tesouro do Gaio. Estado da Arte. In Pereira, R. E. (dir.), Memórias da Praia de São Torpes. Sines: Museu de Sines.
Correia, V. H., Parreira, R. & Silva, A. C. F. da (2013) – Ourivesaria Arcaica do Território Português. Lisboa: CTT.
Costa, J. M. da (1967) – O tesouro Fenício ou Cartaginês do Gaio (Sines). Ethnos, 5, pp. 529-537.
Costa, J. M. da (1972) – O tesouro púnico-tartéssico do Gaio. In Actas das II Jornadas da Associação dos Arqueólogos Portugueses, pp. 97-120. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Feugère, M. (1989) – Les vases en verre sur noyau d’argile en Méditerranée nord-occidentale. In Feugère, M. (ed.), Le verre préromain en Europe occidentale, pp. 29-62.
Fossing, P. (1940) – Glass vessels before glass-blowing. Copenhaga: Ejnar Munksgaard.
Gomes, F. B. (2023) – Trade and Consumption of Mediterranean Perfumes in the Iron Age Iberian Peninsula: An Overview. In Bentz, M. & Heinzelmann, M. (eds.), Archaeology and Economy in the Ancient World – Proceedings of the 19th International Congress of Classical Archaeology, Cologne/Bonn 2018. Sessions 4–5, Single Contributions, pp. 317-325. Heidelberg: Propylaeum.
Gomes, F. B. (no prelo) – Pre-Roman and Early Roman core-formed glass vessels in the Iberian Peninsula: an overview. In Annales of the 22nd Congress of the Association International pour l’Histoire du Verre. Lisbon: AIHV/VICARTE.
Grose, D. F. (1989) – Early Ancient Glass. New York: Hudson Hills Press.
Harden, D. (1981) – Catalogue of Greek and Roman glass in the British Museum. Volume I. Core- and rod-formed vessels and pendants and Mycenaean cast objects. Londres: British Museum
McClellan, M. C. (1984) – Core-formed glass from dated contexts. Tese de Doutoramento em Arqueologia Clássica. University of Pennsylvania. Inédita.
Silva, A. C. F. da & Gomes, M. V. (1992) – Proto-História de Portugal. Lisboa: Universidade Aberta.
Correia, V. H. (2021) – O tesouro do Gaio. Estado da Arte. In Pereira, R. E. (dir.), Memórias da Praia de São Torpes. Sines: Museu de Sines.
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Costa, J. M. da (1972) – O tesouro púnico-tartéssico do Gaio. In Actas das II Jornadas da Associação dos Arqueólogos Portugueses, pp. 97-120. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Feugère, M. (1989) – Les vases en verre sur noyau d’argile en Méditerranée nord-occidentale. In Feugère, M. (ed.), Le verre préromain en Europe occidentale, pp. 29-62.
Fossing, P. (1940) – Glass vessels before glass-blowing. Copenhaga: Ejnar Munksgaard.
Gomes, F. B. (2023) – Trade and Consumption of Mediterranean Perfumes in the Iron Age Iberian Peninsula: An Overview. In Bentz, M. & Heinzelmann, M. (eds.), Archaeology and Economy in the Ancient World – Proceedings of the 19th International Congress of Classical Archaeology, Cologne/Bonn 2018. Sessions 4–5, Single Contributions, pp. 317-325. Heidelberg: Propylaeum.
Gomes, F. B. (no prelo) – Pre-Roman and Early Roman core-formed glass vessels in the Iberian Peninsula: an overview. In Annales of the 22nd Congress of the Association International pour l’Histoire du Verre. Lisbon: AIHV/VICARTE.
Grose, D. F. (1989) – Early Ancient Glass. New York: Hudson Hills Press.
Harden, D. (1981) – Catalogue of Greek and Roman glass in the British Museum. Volume I. Core- and rod-formed vessels and pendants and Mycenaean cast objects. Londres: British Museum
McClellan, M. C. (1984) – Core-formed glass from dated contexts. Tese de Doutoramento em Arqueologia Clássica. University of Pennsylvania. Inédita.
Silva, A. C. F. da & Gomes, M. V. (1992) – Proto-História de Portugal. Lisboa: Universidade Aberta.
Francisco B. Gomes
AGENDA
VI Feira do Livro Arqueológico UNIARQ
4 a 7 de Dezembro UNIARQ, FLUL |
Lançamento do Livro
"Portugal na Idade do Gelo: Território e Habitantes" 6 de Dezembro | El Corte Inglés, Lisboa Mais informação AQUI |
Mesa Redonda
100 anos do nascimento de J. M. Bairrão Oleiro 13 de Dezembro | 15h00 Zoom e Auditório Adriano Moreira (SGL) |
Apresentação da Revista Digital e Impressa
OPHIUSSA n.º 7 (2023) 14 de Dezembro | 18h00 Sala B112.B (Biblioteca) Faculdade de Letras de Lisboa |
Conferência
Don't Miss That Call!!! Gestão de Ciência: estratégia, planeamento e impacto por Sara Cura 15 de Dezembro | 16h00 Faculdade de Letras de Lisboa |
De Gibraltar aos Pirenéus
Megalitismo, Vida e Morte na Fachada Atlântica Peninsular 26 e 27 de Janeiro de 2024 Fundação Lapa do Lobo (Nelas) Formulário de Inscrição AQUI |
VII Congresso Internacional
Sociedad de Estudios de la Cerámica Antigua en Hispania (SECAH) FLUL e FCSH-UNL 15 a 18 de Maio de 2024 Mais informação AQUI |
Participações em Congressos, Colóquios e Conferências
Conferência "Contentores de transporte de preparados de peixe na Hispânia Romana"
Participação de Catarina Viegas, João Pimenta, Macarena Bustamante-Álvarez, Rui Roberto de Almeida e Victor Filipe 3 de Novembro | Peniche Podcast "Da Capa à Contracapa"
«Como era Portugal na Idade do Gelo?» Entrevista a João Zilhão e Carlos Fabião 7 de Novembro | Lisboa Workshop "Virtualizar para Preservar - Herramientas inclusivas para la investigación del arte prehistórico"
Participação de André Tomás Santos, Andrea Martins, Luis Luis, Miguel Almeida e Thierry Aubry 8 e 9 de Novembro | Salamanca, Espanha 2.ª Jornada de Gastronomia Romana
«Entre banquetes romanos e a comida do dia a dia: a contribuição da Zooarqueologia para o conhecimento da dieta na Lusitânia» Comunicação de Cleia Detry 10 de Novembro | Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril Podcast "Aqui há romanos"
«Animais de estimação» Entrevista a Cleia Detry e Ana Elisabete Pires 14 de Novembro | Lisboa VII Congresso Internacional de Megalitismo e Arte Rupestre
Participação de Ana Catarina Sousa, Elena Morán e Victor S. Gonçalves 14 e 15 de Novembro | Trigueros, Espanha Congresso "Towards a new economic history: women and Antiquity"
«Mujer indígena y economía a través de las fuentes epigráficas (ss. III-I a.E.)» Comunicação de Javier Herrera Rando e Gabriela de Tord Basterra 14 a 16 de Novembro | Carmona, Espanha Workshop "Neolithic Worlds" (Cluster 1 - Deutsche Archaeologische Institut)
«The last hunter gatherers and the first peasant groups in Central / South Portugal: a global view and a case study» Comunicação de Ana Catarina Sousa 17 de Novembro | Berlim, Alemanha |
III Jornadas de Arqueologia de Vouzela-Lafões
«A ocupação humana do Vale do Vouga durante o Paleolítico Superior no contexto da Beira Alta» Comunicação de Cristina Gameiro 17 e 18 de Novembro | Vouzela Podcast "Let´s Rock - um podcast da Idade da Pedra"
«Como os cães se tornaram os nossos melhores amigos» Entrevista a Cleia Detry 18 de Novembro | Lisboa Exposição "Fragmentos del pasado. Tecnología, reciclaje y uso del vidrio de la antigüedad a nuestros dias"
«Fragmentos del pasado» Conferência de Jorge de Juan Ares 18 de Novembro | Madrid, Espanha IV Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses
Participação de Alexandre Gonçalves, Ana Beatriz Santos, Ana Cristina Araújo, Ana Margarida Arruda, Ana Maria Silva, Ana Olaio, André Tomás Santos, Andrea Martins, Carlos Filipe Ferreira, Carolina Grilo, Catarina Costeira, Catarina Viegas, César Neves, Cláudia Oliveira, Eduardo Méndez Quintas, Elisa de Sousa, Filipa Rodrigues, Francisco B. Gomes, Jacinta Bugalhão, Joan Daura, João Pedro Cunha Ribeiro, João Pimenta, Luis Luis, Mariana Diniz, Mariana Nabais, Miguel Almeida, Miguel Rodrigues, Montserrat Sanz, Nelson J. Almeida, Nireide Pereira Tavares, Patrícia Jordão, Pedro Barros, Pedro Caria, Rui Gomes Coelho, Rute Arvela, Sandra Domingues Gomes, Sara Simões, Sónia Gabriel, Telmo Pereira e Victor Filipe 22 a 25 de Novembro | Faculdade de Letras de Coimbra Congresso Internacional "Olisipo Entre Mares / Between Seas"
Participação de Amílcar Guerra, Ana Catarina Sousa, Ana Margarida Arruda, Ana Sofia Antunes, André Texugo, Carlos Fabião, Cátia Delicado, Cézer Santos, Elisa de Sousa, João Pimenta, Jorge Raposo, José Cardim Ribeiro e Sónia Gabriel. 23 a 25 de Novembro | Centro Cultural de Belém |
Publicações em Acesso Aberto no Repositório da UL
Alves, L. B., Martins, A., & Reis, M. (2023). Alguma Cor num Fundo de Gravura: Principais Conjuntos da Pintura Pré-Histórica do Vale do Côa. In José Morais Arnaud, César Neves, & Andrea Martins (Eds.), Arqueologia em Portugal. 2023 - Estado da Questão (pp. 1801-1814). Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, CEAACP, CEIS20 e IA-FLUC.
hdl.handle.net/10451/61102 Arnaud, J. M., Martins, A., Neves, C., & Diniz, M. (2023). Vila Nova de São Pedro e a Arqueologia Pública - a Consolidação de um Projecto através dos Agentes da sua História. In José Morais Arnaud, César Neves, & Andrea Martins (Eds.), Arqueologia em Portugal. 2023 - Estado da Questão (pp. 1943-1961). Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, CEAACP, CEIS20 e IA-FLUC.
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hdl.handle.net/10451/60153 |
Martins, A. (2023). Desde a Crista, Olhando para o Tejo - os Abrigos com Pintura Esquemática do Pego da Rainha (Mação, Portugal). In José Morais Arnaud, César Neves, & Andrea Martins (Eds.), Arqueologia em Portugal. 2023 - Estado da Questão (pp. 1815-1840). Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, CEAACP, CEIS20 e IA-FLUC.
hdl.handle.net/10451/61106 Neves, C., Arnaud, J. M., Martins, A., & Diniz, M. (2023). Em Busca da Colecção Perdida (1): Vila Nova de São Pedro no Museu Municipal de Vila Franca de Xira. In José Morais Arnaud, César Neves, & Andrea Martins (Eds.), Arqueologia em Portugal. 2023 - Estado da Questão (pp. 149-166). Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, CEAACP, CEIS20 e IA-FLUC.
hdl.handle.net/10451/61108 Quirino, C., Martins, A., & Diniz, M. (2023). Arqueologia Pública: A Festa da Arqueologia como Caso de Estudo. In José Morais Arnaud, César Neves, & Andrea Martins (Eds.), Arqueologia em Portugal. 2023 - Estado da Questão (pp. 1993-2012). Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, CEAACP, CEIS20 e IA-FLUC.
hdl.handle.net/10451/61109 |
Provas Académicas
Tese de Mestrado "As Gravuras Proto-Históricas do Vale do Côa: Os Núcleos da Vermelhosa e Meijapão"
por Helena Isabel Silveira Soares
14 de Dezembro | 15:30 | Zoom/Colibri
por Helena Isabel Silveira Soares
14 de Dezembro | 15:30 | Zoom/Colibri
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