Editorial
Elisa de Sousa, Subirectora da UNIARQ
Do canivete suíço pré-histórico à Moulinex itálica - as peças do mês de 2023
A rubrica “peça do mês” da newsletter da UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, que se iniciou em Abril de 2020, tem como principal objectivo a divulgação de achados emblemáticos no contexto dos trabalhos de campo e projectos de investigação desenvolvidos pela nossa unidade.
Estas peças singulares, ainda que referidas e estudadas com detalhe em artigos da especialidade, merecem uma divulgação mais abrangente, de forma a permitir a sua visibilidade em contextos que vão mais além dos quadros científicos e académicos.
Em 2023, as onze rubricas permitem-nos percorrer 400.000 anos da ocupação humana em Portugal, num espectro cronológico que se estende desde o Paleolítico Inferior até ao Império Romano. As distintas contribuições cobrem um amplo espaço geográfico, que se estende desde Viseu até à costa algarvia, ilustrando não só distintas funcionalidades e simbolismos, mas também uma notável versatilidade na utilização de distintas matérias-primas utilizadas ao longos dos vários milénios (quartzito, sílex, xisto, calcário, ouro, bronze, âmbar, vidro, cerâmica).
Dos períodos mais antigos, contamos dois objectos de carácter essencialmente utilitário: o biface multifuncional da Gruta da Aroeira, recolhido num dos sítios actualmente mais emblemáticos do Paleolítico Inferior de Portugal, e o foliáceo da Orca do Pinhal dos Amiais, do Neolítico Final, que ilustra a prática de actividades agrícolas na segunda metade do 4º milénio a.C. A partir do milénio sucessivo, contamos com peças que se associam a um carácter ritual ou simbólico, como é o caso do ídolo cilíndrico calcolítico da Gruta da Portucheira, ou sumptuário, como a espiral de ouro da Orca do Outeiro do Rato, já dos momentos iniciais da Idade do Bronze. As peças do Bronze Final e Idade do Ferro, por sua vez, reflectem a integração deste espaço mais periférico que é o Ocidente Peninsular em vastas redes de intercâmbio entre o 2º e o 1º milénio a.C., evidenciadas pelo colar de âmbar báltico do Cabecinho da Capitôa e pelos objectos de vidro polícromo de Vaiamonte e da Herdade do Gaio, originários provavelmente do Mediterrâneo Central. Estes momentos são também palco do incremento de contactos inter-regionais, como atestado pela taça do Castro de Pragança, cujas técnicas e motivos decorativos nos remetem para horizontes culturais mais interiores. A emblemática estela epigrafada da Idade do Ferro de Almodôvar atesta, por sua vez, um processo de apropriação e recriação da escrita pelas comunidades da área meridional de Portugal, que infelizmente ainda não se pode decifrar, permanecendo as suas narrativas por revelar. Para as épocas mais tardias, integradas já no período romano, contamos ainda com exemplos emblemáticos que nos remetem para a introdução de novos hábitos alimentares que resultaram da conquista do território português, como é o caso dos fragmentos de passadores das Mesas do Castelinho, associáveis ao consumo de vinho, e do almofariz itálico de Loulé Velho, usado na preparação, trituração e mistura de alimentos.
As rubricas "peça do mês" da Uniarq de 2023 transcendem a mera apresentação de artefactos, constituindo um interessante mosaico da história do nosso território desde o Paleolítico Inferior até à época romana, materializando elos vívidos de acesso a passados remotos. Desde artefactos utilitários até objectos de cariz ritual, simbólico e sumptuário, as várias peças ilustram não apenas uma ampla diversidade funcional, mas também cronológica e geográfica, oferecendo uma visão multifacetada de práticas culturais, tecnológicas e mesmo de distintas escalas de intercâmbio ao longo dos milénios. Estes textos não só enriquecem o entendimento académico, mas também permitem divulgar e apreciar a riqueza do nosso património arqueológico.
Expressamos o nosso agradecimento aos vários autores dos textos que enriqueceram esta rubrica ao longo do ano: Alexandre Varanda, Amílcar Guerra, Ana Catarina Sousa, Carlos Fabião, Catarina Viegas, Francisco Gomes, José Ventura e Pedro Caria. E encorajamos outros investigadores a propor novos conteúdos para manter e diversificar esta importante iniciativa.
Biface Acheulense em Quartzito (ARO_1783)
Proveniência: Gruta da Aroeira
Cronologia: Paleolítico Inferior, Acheulense. Direcção dos trabalhos: Anthony Marks Descrição Esta peça foi recolhida no ano 2000 nas primeiras escavações da Gruta da Aroeira dirigidas por Anthony Marks. Tem 100 mm de comprimento por 51 mm de largura e 32 mm de espessura. Trata-se de um biface configurado em quartzito, com uma antiguidade de cerca de 400 000 anos. Difere dos restantes artefactos da colecção pela sua ponta finamente retocada; são raros os objectos em quartzito com talhe de tal finura. |
Comentário
O biface é um utensílio pré-histórico utilizado pelos primeiros humanos durante o Paleolítico Inferior e Médio. Com as suas origens há cerca de 1,7 milhões de anos em África, este utensilio continuou a ser utilizado até há cerca de 50 000 anos na Europa. É sumariamente caracterizado pela sua forma simétrica e apontada, com dois bordos de gume cortante. São utensílios normalmente elaborados em rochas mais duras, como quartzito, sílex, quartzo e, mais raramente, basalto. Tinha diversas formas de utilização: corte, raspagem e esquartejamento. O biface representa um importante avanço tecnológico e foi durante mais de milhão e meio de anos o utensílio-base da espécie humana, cuja expansão, de África para a Europa e para o Sudeste asiático, acompanhou.
Dada a especificidade de configuração documentada neste artefacto, o mesmo foi sujeito a uma digitalização 3D. As imagens expostas resultam do processamento do modelo 3d no software AGMT-3D desenvolvido para estudos estatísticos e morfométricos de bifaces, que como resultado secundário da análise, providência as dimensões do objecto e a fotografia das diferentes vistas aqui apresentada. Estas novas abordagens complementam os estudos tecnológicos dos bifaces permitindo uma definição e rigor superior às clássicas metodologias de estudo dos bifaces.
O biface é um utensílio pré-histórico utilizado pelos primeiros humanos durante o Paleolítico Inferior e Médio. Com as suas origens há cerca de 1,7 milhões de anos em África, este utensilio continuou a ser utilizado até há cerca de 50 000 anos na Europa. É sumariamente caracterizado pela sua forma simétrica e apontada, com dois bordos de gume cortante. São utensílios normalmente elaborados em rochas mais duras, como quartzito, sílex, quartzo e, mais raramente, basalto. Tinha diversas formas de utilização: corte, raspagem e esquartejamento. O biface representa um importante avanço tecnológico e foi durante mais de milhão e meio de anos o utensílio-base da espécie humana, cuja expansão, de África para a Europa e para o Sudeste asiático, acompanhou.
Dada a especificidade de configuração documentada neste artefacto, o mesmo foi sujeito a uma digitalização 3D. As imagens expostas resultam do processamento do modelo 3d no software AGMT-3D desenvolvido para estudos estatísticos e morfométricos de bifaces, que como resultado secundário da análise, providência as dimensões do objecto e a fotografia das diferentes vistas aqui apresentada. Estas novas abordagens complementam os estudos tecnológicos dos bifaces permitindo uma definição e rigor superior às clássicas metodologias de estudo dos bifaces.
Alexandre Varanda
in UNIARQ DIGITAL 76, Junho de 2023
in UNIARQ DIGITAL 76, Junho de 2023
Foliáceo ovóide (ORAMI 417/2003, U.E.31)
Proveniência: Orca do Pinhal dos Amiais (Nelas, Viseu).
Cronologia: Neolítico final (3600 a 3000 cal BC).
Direção dos trabalhos: Intervenção de 2003, direção de José Manuel Quintã Ventura, com colaboração de Hélder Carvalho.
Descrição: Artefacto foliáceo tipo lâmina ovoide, em sílex, com retoque bifacial, invasivo, irregular na fase de conformação da peça, com acabamento de gumes por retoques rasantes, sub-paralelos. Comprimento de 85,87mm, largura de 52,58mm e espessura de 13,94mm.
A sua representação gráfica é bastante semelhante às peças identificadas em contextos da Estremadura, as quais se denominaram “lâminas ovóides”, sendo denominadas como foliáceos ovóides, a isto junta-se o facto de serem evidentes “lustros de cereal” em alguma áreas do presente artefacto.
Desta forma, este tipo de utensílios vem sendo cronologicamente integrável em contextos do Neolítico Final ou mesmo do Calcolítico da Estremadura, como o Zambujal e Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 202).
No presente caso, tudo parede indicar uma inserção nas deposições do Neolítico final regional.
Em termos da origem da matéria-prima, pelo tipo de sílex – sílex castanho-avermelhado – parece apontar para uma origem extrarregional, proveniente da zona de Pombal.
Cronologia: Neolítico final (3600 a 3000 cal BC).
Direção dos trabalhos: Intervenção de 2003, direção de José Manuel Quintã Ventura, com colaboração de Hélder Carvalho.
Descrição: Artefacto foliáceo tipo lâmina ovoide, em sílex, com retoque bifacial, invasivo, irregular na fase de conformação da peça, com acabamento de gumes por retoques rasantes, sub-paralelos. Comprimento de 85,87mm, largura de 52,58mm e espessura de 13,94mm.
A sua representação gráfica é bastante semelhante às peças identificadas em contextos da Estremadura, as quais se denominaram “lâminas ovóides”, sendo denominadas como foliáceos ovóides, a isto junta-se o facto de serem evidentes “lustros de cereal” em alguma áreas do presente artefacto.
Desta forma, este tipo de utensílios vem sendo cronologicamente integrável em contextos do Neolítico Final ou mesmo do Calcolítico da Estremadura, como o Zambujal e Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 202).
No presente caso, tudo parede indicar uma inserção nas deposições do Neolítico final regional.
Em termos da origem da matéria-prima, pelo tipo de sílex – sílex castanho-avermelhado – parece apontar para uma origem extrarregional, proveniente da zona de Pombal.
Bibliografia:
Pinheiro, Patricia (2012) – O monumento da Orca do Pinhal dos Amiais (Nelas) no contexto do Megalitismo da Plataforma do Mondego. Dissertação de Mestrado em Arqueologia. Universidade de Lisboa. policop.
Sousa, A. C. (2010) - O Penedo do Lexim (Mafra) na sequência do Neolítico final e Calcolítico da Península de Lisboa. Tese de Doutoramento em Pré-história e Arqueologia. Universidade de Lisboa. policop.
Pinheiro, Patricia (2012) – O monumento da Orca do Pinhal dos Amiais (Nelas) no contexto do Megalitismo da Plataforma do Mondego. Dissertação de Mestrado em Arqueologia. Universidade de Lisboa. policop.
Sousa, A. C. (2010) - O Penedo do Lexim (Mafra) na sequência do Neolítico final e Calcolítico da Península de Lisboa. Tese de Doutoramento em Pré-história e Arqueologia. Universidade de Lisboa. policop.
José Ventura
in UNIARQ DIGITAL 79, Setembro de 2023
in UNIARQ DIGITAL 79, Setembro de 2023
“Ídolo” cilíndrico de calcário da Gruta I da Portucheira
Proveniência: Gruta I da Portucheira (Torres Vedras, Portugal)
Cronologia: Calcolítico (1ª metade do 3º milénio a.n.e.) Direcção dos trabalhos: Leonel Trindade (1903-1992) Descrição: O exemplar encontra-se inteiro, apresentando 128,91 mm de comprimento, 32,74 mm de largura e 36,04 mm de espessura. A superfície está integralmente polida, tendo sido registadas pequenas irregularidades provavelmente decorrentes de alterações pós-deposicionais. Ambas as extremidades estão aplanadas. Apresenta decoração na zona frontal da extremidade distal, sendo esta obtida através da incisão: são visíveis dois pares de linhas paralelas, praticamente simétricos, que arrancam do topo, formando as chamadas pinturas/tatuagens faciais; ademais, observaram-se duas pequenas depressões centradas relativamente às linhas laterais, usualmente interpretadas como uma representação ocular sumária, distinta de alguns exemplares profusamente elaborados no Sudoeste peninsular. É, portanto, uma morfologia e um motivo com estreitos paralelos em necrópoles (de várias tipologias, construídas e naturais), mas também povoados calcolíticos da Estremadura (cf. Martins et al, 2020: fig.12-1). |
Comentário:
A gruta I da Portucheira, situada a 400 m SE do Castro da Fórnea, foi identificada e escavada por Leonel Trindade (Kunst e Trindade, 1990). O elemento aqui em apreço faz parte da coleção Leonel Trindade, do Museu Nacional de Arqueologia, adquirida em 1941 pelo então Diretor, Manuel Heleno (Machado, 1964: pp. 129-130). Segundo as informações dos seus cadernos, a gruta seria estreita, com 1,5 m de largura, e apresentaria 8 m de comprimento, não tendo sido integralmente explorada. O espaço terá sido utilizado como gruta-necrópole durante a Pré-História Recente, tendo aparentemente sido recolhidos ossos humanos (Kunst e Trindade, 1990: p. 47), cujo local de depósito se desconhece.
Apesar de não subsistir qualquer informação contextual do achado que agora se comenta, constam do inventário do MNA os seguintes registos: um outro artefacto votivo de calcário (“ídolo” cilíndrico liso), uma raspadeira em sílex parcialmente cortical, uma conta de colar discoidal espessa, um vaso campaniforme de tipo marítimo e outro do grupo inciso (já representados, ainda que não de forma totalmente rigorosa, em Harrison, 1977: fig. 64), duas taças carenadas, uma das quais com ornatos brunidos, uma rodela de cerâmica e um anel em bronze com uma pedra encastoada. Note-se, a respeito da cerâmica de ornatos brunidos, o seu registo já conhecido na gruta II da Portucheira (Schubart, 1975: Abb 18-B), escavada por Ricardo Belo, cujos materiais se encontram depositados no Museu Municipal Leonel Trindade, em Torres Vedras (Leisner, 1965). Apesar deste conjunto ser manifestamente reduzido, o significado crono-cultural que lhes é adscrito, sugere que esta cavidade cársica contou com diversas ocupações diacronicamente apartáveis, destacando-se, contudo, as etapas passíveis de relacionar com o Calcolítico e o Bronze Final. Com base no que se observou até agora, não existem elementos que permitam sugerir uma fase mais recuada de ocupação, neolítica.
No que concerne o universo dos artefactos votivos de calcário, bem enquadrados no pacote votivo do 3º milénio a.n.e. (Sousa e Gonçalves, 2012), os ídolos cilíndricos correspondem a uma das tipologias mais frequentes (Gonçalves, 1995), constituindo parte fundamental e notória dos “subsistemas mágico-religiosos” do Centro e Sul de Portugal (Gonçalves, 2008), particularmente no âmbito cultural da Estremadura, onde estes artefactos ideotécnicos são abundantes e, por vezes, verdadeiramente singulares do ponto de vista morfológico. Ainda que as condições da descoberta nos sejam alheias, e também a própria natureza do depósito funerário, não deixa de ser interessante recuperar este registo e notar a sua associação com um outro elemento de morfologia idêntica sem decoração, naquela que parece ser uma diferenciação simbólica difícil de definir quanto ao seu significado.
Local de depósito: Museu Nacional de Arqueologia, nº de inventário 995.27.10
A gruta I da Portucheira, situada a 400 m SE do Castro da Fórnea, foi identificada e escavada por Leonel Trindade (Kunst e Trindade, 1990). O elemento aqui em apreço faz parte da coleção Leonel Trindade, do Museu Nacional de Arqueologia, adquirida em 1941 pelo então Diretor, Manuel Heleno (Machado, 1964: pp. 129-130). Segundo as informações dos seus cadernos, a gruta seria estreita, com 1,5 m de largura, e apresentaria 8 m de comprimento, não tendo sido integralmente explorada. O espaço terá sido utilizado como gruta-necrópole durante a Pré-História Recente, tendo aparentemente sido recolhidos ossos humanos (Kunst e Trindade, 1990: p. 47), cujo local de depósito se desconhece.
Apesar de não subsistir qualquer informação contextual do achado que agora se comenta, constam do inventário do MNA os seguintes registos: um outro artefacto votivo de calcário (“ídolo” cilíndrico liso), uma raspadeira em sílex parcialmente cortical, uma conta de colar discoidal espessa, um vaso campaniforme de tipo marítimo e outro do grupo inciso (já representados, ainda que não de forma totalmente rigorosa, em Harrison, 1977: fig. 64), duas taças carenadas, uma das quais com ornatos brunidos, uma rodela de cerâmica e um anel em bronze com uma pedra encastoada. Note-se, a respeito da cerâmica de ornatos brunidos, o seu registo já conhecido na gruta II da Portucheira (Schubart, 1975: Abb 18-B), escavada por Ricardo Belo, cujos materiais se encontram depositados no Museu Municipal Leonel Trindade, em Torres Vedras (Leisner, 1965). Apesar deste conjunto ser manifestamente reduzido, o significado crono-cultural que lhes é adscrito, sugere que esta cavidade cársica contou com diversas ocupações diacronicamente apartáveis, destacando-se, contudo, as etapas passíveis de relacionar com o Calcolítico e o Bronze Final. Com base no que se observou até agora, não existem elementos que permitam sugerir uma fase mais recuada de ocupação, neolítica.
No que concerne o universo dos artefactos votivos de calcário, bem enquadrados no pacote votivo do 3º milénio a.n.e. (Sousa e Gonçalves, 2012), os ídolos cilíndricos correspondem a uma das tipologias mais frequentes (Gonçalves, 1995), constituindo parte fundamental e notória dos “subsistemas mágico-religiosos” do Centro e Sul de Portugal (Gonçalves, 2008), particularmente no âmbito cultural da Estremadura, onde estes artefactos ideotécnicos são abundantes e, por vezes, verdadeiramente singulares do ponto de vista morfológico. Ainda que as condições da descoberta nos sejam alheias, e também a própria natureza do depósito funerário, não deixa de ser interessante recuperar este registo e notar a sua associação com um outro elemento de morfologia idêntica sem decoração, naquela que parece ser uma diferenciação simbólica difícil de definir quanto ao seu significado.
Local de depósito: Museu Nacional de Arqueologia, nº de inventário 995.27.10
Bibliografia:
GONÇALVES, V. S. (1995) – Sítios, “Horizontes” e Artefactos: Leituras Críticas de Realidades Perdidas. Cascais. 1ª edição, 304 p.
GONÇALVES, V. S. (2008). Na primeira metade do 3º milénio a.n.e., dois subsistemas mágico-religiosos no Centro e Sul de Portugal. In M. Hernández Pérez, J. Soler Díaz, & J. López Padilla (Eds.), Actas del IV Congreso del Neolítico Peninsular (Vol. 2, pp. 112-120). Alicante: MARQ.
HARRISON, R. J. (1977). The Bell Beaker Cultures of Spain and Portugal. American School of Prehistoric Research.
KUNST, M., & TRINDADE, L. J. (1990). Zur Besiedlungsgeschichte des Sizandrotals. Ergebnisse aus der Küstenforschung. Madrider Mitteilungen, 31, 34-82.
LEISNER, V. (1965). Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel: der Westen. Walther de Gruyter & Co. 1 (3).
MACHADO, J. L. S. (1964). Subsídios para a História do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos. O Arqueólogo Português, 5 (2ª Série), 51-448.
MARTINS, A., NEVES, C., DINIZ, M., & ARNAUD, J. M. (2020). Artefactos cilíndricos de Vila Nova de São Pedro – A coleção do Museu Arqueológico do Carmo (Lisboa). Arqueologia & História, 70, 203-224
SCHUBART, H. (1975a). Die Kultur der Bronzezeit im Sudwesten der Iberischen Halbinsel. Walter de Gruyter & Co.
SOUSA, A. C., & GONÇALVES, V. S. (2012). In and out. Tecnologias, símbolos e cultura material. Interacções e identidades regionais no Centro e Sul de Portugal no 3.º milénio a.n.e. In M. Borrel, F. Borrel, J. Bosch, X. Clop, & M. Molist (Eds.), Xarxes al Neolític. Circulació i intercanví de matèries, productes i idees a la Mediterrània occidental (VII-III mil lenni aC) (pp. 383-392). Gavà: Rubricatum.
GONÇALVES, V. S. (1995) – Sítios, “Horizontes” e Artefactos: Leituras Críticas de Realidades Perdidas. Cascais. 1ª edição, 304 p.
GONÇALVES, V. S. (2008). Na primeira metade do 3º milénio a.n.e., dois subsistemas mágico-religiosos no Centro e Sul de Portugal. In M. Hernández Pérez, J. Soler Díaz, & J. López Padilla (Eds.), Actas del IV Congreso del Neolítico Peninsular (Vol. 2, pp. 112-120). Alicante: MARQ.
HARRISON, R. J. (1977). The Bell Beaker Cultures of Spain and Portugal. American School of Prehistoric Research.
KUNST, M., & TRINDADE, L. J. (1990). Zur Besiedlungsgeschichte des Sizandrotals. Ergebnisse aus der Küstenforschung. Madrider Mitteilungen, 31, 34-82.
LEISNER, V. (1965). Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel: der Westen. Walther de Gruyter & Co. 1 (3).
MACHADO, J. L. S. (1964). Subsídios para a História do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos. O Arqueólogo Português, 5 (2ª Série), 51-448.
MARTINS, A., NEVES, C., DINIZ, M., & ARNAUD, J. M. (2020). Artefactos cilíndricos de Vila Nova de São Pedro – A coleção do Museu Arqueológico do Carmo (Lisboa). Arqueologia & História, 70, 203-224
SCHUBART, H. (1975a). Die Kultur der Bronzezeit im Sudwesten der Iberischen Halbinsel. Walter de Gruyter & Co.
SOUSA, A. C., & GONÇALVES, V. S. (2012). In and out. Tecnologias, símbolos e cultura material. Interacções e identidades regionais no Centro e Sul de Portugal no 3.º milénio a.n.e. In M. Borrel, F. Borrel, J. Bosch, X. Clop, & M. Molist (Eds.), Xarxes al Neolític. Circulació i intercanví de matèries, productes i idees a la Mediterrània occidental (VII-III mil lenni aC) (pp. 383-392). Gavà: Rubricatum.
Daniel van Calker
in UNIARQ DIGITAL 73, Março de 2023
in UNIARQ DIGITAL 73, Março de 2023
Espiral em Ouro nativo (OROR 86.700)
Proveniência: Orca do Outeiro do Rato (Carregal do Sal, Viseu).
Cronologia: Bronze antigo? (2300 a 1700 cal BC?).
Direção dos trabalhos: Intervenção de 1986, direção de Rosa Amaro e J. C. Senna-Martinez.
Descrição: Espiral de arame de ouro nativo (com elevada percentagem de prata 11,1±0,6%), encontrada entre os remeximentos da câmara megalítica, que foi violada e destruída em 1903 (Cruz, B. 1899-1903).
Tem quatro espirais e um diâmetro médio de aproximadamente 1,6cm por 2cm de comprimento.
O arame tem uma seção aproximadamente circular e uma das extremidades cortada em bisel.
Os paralelos mais imediatos conhecidos, conquanto que em prata, são as espirais encontradas em monumentos megalíticos do Noroeste português (Jorge, 1983/84:37) às quais poderemos ainda juntar as em ouro da cista da Quinta da Água Branca (Fortes, 1906) colocadas na transição do Calcolítico para o Bronze.
Desta forma pode-se considerar que as primeiras joias de ouro peninsular surgem em contextos claramente associados a deposições cerâmicas tardias, nomeadamente de materiais campaniformes ou tradição campaniforme, nomeadamente como ocorre na Orca do Outeiro do Rato, onde num átrio frontal foram depositados pelo menos três recipientes com decoração campaniforme: dois vasos campaniformes clássicos, de perfil em S, um com decoração a pente de «estilo marítimo», em bandas em espinha, alternadas com bandas lisas e outro com bandas em espinha, separadas por bandas de quatro linhas horizontais, ambas em pontilhado de roleta e o terceiro recipiente, uma taça acampanada, com pontilhado de roleta, associa uma linha sobre o bordo donde pendem triângulos e uma banda formada por duas linhas onduladas e encadeadas e uma linha sobre a carena sobre uma banda em xadrez.
De destacar também que neste conjunto cerâmico destaca-se um Pote de colo estrangulado, não decorado e uma taça parabólica decorada com uma banda sob o lábio limitada por linhas incisas e preenchida por incisões oblíquas formando espiga.
Cronologia: Bronze antigo? (2300 a 1700 cal BC?).
Direção dos trabalhos: Intervenção de 1986, direção de Rosa Amaro e J. C. Senna-Martinez.
Descrição: Espiral de arame de ouro nativo (com elevada percentagem de prata 11,1±0,6%), encontrada entre os remeximentos da câmara megalítica, que foi violada e destruída em 1903 (Cruz, B. 1899-1903).
Tem quatro espirais e um diâmetro médio de aproximadamente 1,6cm por 2cm de comprimento.
O arame tem uma seção aproximadamente circular e uma das extremidades cortada em bisel.
Os paralelos mais imediatos conhecidos, conquanto que em prata, são as espirais encontradas em monumentos megalíticos do Noroeste português (Jorge, 1983/84:37) às quais poderemos ainda juntar as em ouro da cista da Quinta da Água Branca (Fortes, 1906) colocadas na transição do Calcolítico para o Bronze.
Desta forma pode-se considerar que as primeiras joias de ouro peninsular surgem em contextos claramente associados a deposições cerâmicas tardias, nomeadamente de materiais campaniformes ou tradição campaniforme, nomeadamente como ocorre na Orca do Outeiro do Rato, onde num átrio frontal foram depositados pelo menos três recipientes com decoração campaniforme: dois vasos campaniformes clássicos, de perfil em S, um com decoração a pente de «estilo marítimo», em bandas em espinha, alternadas com bandas lisas e outro com bandas em espinha, separadas por bandas de quatro linhas horizontais, ambas em pontilhado de roleta e o terceiro recipiente, uma taça acampanada, com pontilhado de roleta, associa uma linha sobre o bordo donde pendem triângulos e uma banda formada por duas linhas onduladas e encadeadas e uma linha sobre a carena sobre uma banda em xadrez.
De destacar também que neste conjunto cerâmico destaca-se um Pote de colo estrangulado, não decorado e uma taça parabólica decorada com uma banda sob o lábio limitada por linhas incisas e preenchida por incisões oblíquas formando espiga.
Bibliografia:
Cruz, P.B. (1903) - «Ruinas da Orca do Outeiro do Rato», in: Portugalia, I, p. 812
Fortes, J. (1906) - «A sepultura da Quinta da Agua Branca», in: Portugalia, II, p. 241.
Jorge, S. O. (1983/84) - «Aspectos da evolução pré-histórica do Norte de Portugal durante o III e o II milénios A.C.», in: Portugalia (N.S.), IV/V, p. 97-109.
Senna-Martinez, J. C. & Amaro, R. (1987) - «Campaniforme tardio e inícios da Idade do Bronze na Orca do Outeiro do Rato, Lapa do Lobo: nota preliminar», in: Da Pré-História à História, Lisboa, Delta, p. 265-71
Senna-Martinez, J. C. (1989) – Pré-História Recente da Bacia do Médio e Alto Mondego: algumas contribuições para um modelo sociocultural. Tese de Doutoramento em Pré-História e Arqueologia. Universidade de Lisboa. 3 Vols. policop.
Cruz, P.B. (1903) - «Ruinas da Orca do Outeiro do Rato», in: Portugalia, I, p. 812
Fortes, J. (1906) - «A sepultura da Quinta da Agua Branca», in: Portugalia, II, p. 241.
Jorge, S. O. (1983/84) - «Aspectos da evolução pré-histórica do Norte de Portugal durante o III e o II milénios A.C.», in: Portugalia (N.S.), IV/V, p. 97-109.
Senna-Martinez, J. C. & Amaro, R. (1987) - «Campaniforme tardio e inícios da Idade do Bronze na Orca do Outeiro do Rato, Lapa do Lobo: nota preliminar», in: Da Pré-História à História, Lisboa, Delta, p. 265-71
Senna-Martinez, J. C. (1989) – Pré-História Recente da Bacia do Médio e Alto Mondego: algumas contribuições para um modelo sociocultural. Tese de Doutoramento em Pré-História e Arqueologia. Universidade de Lisboa. 3 Vols. policop.
José Ventura
in UNIARQ DIGITAL 77, Julho de 2023
in UNIARQ DIGITAL 77, Julho de 2023
Taça carenada com decoração estilo “Baiões / Santa Luzía” do Castro de Pragança
Proveniência: Castro de Pragança, Cadaval
Direcção dos Trabalhos: Indeterminada (José Leite de Vasconcelos (1858-1941); António Maria Garcia (1837-1908); Leonel Trindade (1903-1992)).
Cronologia: Final da Idade do Bronze (Séc. XIII-VIII a.C.)
Descrição:
Taça de carena alta com 22 cm de diâmetro. Apresenta pasta compacta de coloração castanha acinzentada. A superfície exterior é polida e a interior alisada. Exibe decoração através de duas sequências de triângulos preenchidos com linhas oblíquas, divididas pela carena e limitadas na sua zona inferior por uma linha horizontal incisa. A técnica utilizada é a incisão fina, no entanto, esta parece distinguir-se entre as duas secções, sendo a superior realizada quase seguramente antes do momento da cozedura, permanecendo algumas dúvidas se a inferior terá sido efectuado pós cozedura.
Direcção dos Trabalhos: Indeterminada (José Leite de Vasconcelos (1858-1941); António Maria Garcia (1837-1908); Leonel Trindade (1903-1992)).
Cronologia: Final da Idade do Bronze (Séc. XIII-VIII a.C.)
Descrição:
Taça de carena alta com 22 cm de diâmetro. Apresenta pasta compacta de coloração castanha acinzentada. A superfície exterior é polida e a interior alisada. Exibe decoração através de duas sequências de triângulos preenchidos com linhas oblíquas, divididas pela carena e limitadas na sua zona inferior por uma linha horizontal incisa. A técnica utilizada é a incisão fina, no entanto, esta parece distinguir-se entre as duas secções, sendo a superior realizada quase seguramente antes do momento da cozedura, permanecendo algumas dúvidas se a inferior terá sido efectuado pós cozedura.
Comentário:
O Castro de Pragança implanta-se num esporão da vertente Norte da Serra de Montejunto, oferecendo uma posição destacada na paisagem que o circunda, aproveitando a defensibilidade natural oferecida pelas escarpas calcárias, principalmente a Oeste e a Noroeste. Atinge os 334 metros de altura no denominado “Bico de Vela”, dominando visualmente o designado “Anfiteatro de Pragança”, assim como uma das portelas principais de Montejunto.
O exemplar aqui em questão chegou ao Museu Nacional de Arqueologia a partir das intervenções realizadas entre os finais do séc. XIX e a década de 40 do séc. XX, sendo os principais responsáveis das mesmas José Leite de Vasconcelos, António Maria Garcia e Leonel Trindade. Destes trabalhos, não resultaram quaisquer registos de campo, não sendo possível recuperar o contexto em que esta taça se encontrava.
Relativamente ao enquadramento da sua decoração, esta encontra paralelos no horizonte cultural “Baiões / Santa Luzia”, centrado na região da Beira Alta, e designado a partir dos achados epónimos nos Castros de Senhora da Guia e de Santa Luzia – São Pedro do Sul (Silva, Silva e Lopes 1984; Reprezas 2010: 27). Estes motivos são geralmente representados através de incisões finas realizadas após a cozedura dos recipientes causando um efeito “estalado” / riscado nas superfícies (Reprezas 2010: 22; Osório 2013: 23).
Para além desta região, este estilo decorativo dissemina-se ainda em outras áreas limítrofes, como é o caso da Beira Baixa, no povoado de Alegrios, Sabugal (Vilaça 1995: 206) e da Extremadura espanhola, por exemplo no sítio de Los Concejiles, Badajoz (Vilaça et al., 2012: 144). O exemplar em apreço constitui, de momento, a única ocorrência na Estremadura, ampliando assim a geografia de distribuição deste tipo de decorações.
O conhecimento sobre este sítio clássico da Arqueologia portuguesa tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos, revelando um número significativo de exemplares considerados “exógenos” à região da Península de Lisboa, conferindo um certo protagonismo ao Castro nos contactos suprarregionais que se intensificam durante o final da Idade do Bronze. A par deste objeto, acrescentam-se os ponderais de bronze de influência mediterrânea (Vilaça 2003: 257 e 2011: 146), entre outros materiais metálicos (MacWhite 1951: 68; Coffyn 1985: 52, Figueiredo et al. 2007; Vilaça 2007: 146), as contas de colar de âmbar do Báltico (Odriozola et al., 2017: p. 580-581), e, por ventura, uma conta de cornalina (Caria 2021: 25).
Local de depósito: Museu Nacional de Arqueologia, nº de Inventário 986.161.1955/1956
O Castro de Pragança implanta-se num esporão da vertente Norte da Serra de Montejunto, oferecendo uma posição destacada na paisagem que o circunda, aproveitando a defensibilidade natural oferecida pelas escarpas calcárias, principalmente a Oeste e a Noroeste. Atinge os 334 metros de altura no denominado “Bico de Vela”, dominando visualmente o designado “Anfiteatro de Pragança”, assim como uma das portelas principais de Montejunto.
O exemplar aqui em questão chegou ao Museu Nacional de Arqueologia a partir das intervenções realizadas entre os finais do séc. XIX e a década de 40 do séc. XX, sendo os principais responsáveis das mesmas José Leite de Vasconcelos, António Maria Garcia e Leonel Trindade. Destes trabalhos, não resultaram quaisquer registos de campo, não sendo possível recuperar o contexto em que esta taça se encontrava.
Relativamente ao enquadramento da sua decoração, esta encontra paralelos no horizonte cultural “Baiões / Santa Luzia”, centrado na região da Beira Alta, e designado a partir dos achados epónimos nos Castros de Senhora da Guia e de Santa Luzia – São Pedro do Sul (Silva, Silva e Lopes 1984; Reprezas 2010: 27). Estes motivos são geralmente representados através de incisões finas realizadas após a cozedura dos recipientes causando um efeito “estalado” / riscado nas superfícies (Reprezas 2010: 22; Osório 2013: 23).
Para além desta região, este estilo decorativo dissemina-se ainda em outras áreas limítrofes, como é o caso da Beira Baixa, no povoado de Alegrios, Sabugal (Vilaça 1995: 206) e da Extremadura espanhola, por exemplo no sítio de Los Concejiles, Badajoz (Vilaça et al., 2012: 144). O exemplar em apreço constitui, de momento, a única ocorrência na Estremadura, ampliando assim a geografia de distribuição deste tipo de decorações.
O conhecimento sobre este sítio clássico da Arqueologia portuguesa tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos, revelando um número significativo de exemplares considerados “exógenos” à região da Península de Lisboa, conferindo um certo protagonismo ao Castro nos contactos suprarregionais que se intensificam durante o final da Idade do Bronze. A par deste objeto, acrescentam-se os ponderais de bronze de influência mediterrânea (Vilaça 2003: 257 e 2011: 146), entre outros materiais metálicos (MacWhite 1951: 68; Coffyn 1985: 52, Figueiredo et al. 2007; Vilaça 2007: 146), as contas de colar de âmbar do Báltico (Odriozola et al., 2017: p. 580-581), e, por ventura, uma conta de cornalina (Caria 2021: 25).
Local de depósito: Museu Nacional de Arqueologia, nº de Inventário 986.161.1955/1956
Bibliografia:
CARIA, P. (2021) - A ocupação da Idade do Bronze do Castro de Pragança (Cadaval, Portugal): uma leitura através do espólio cerâmico. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. http://hdl.handle.net/10451/51279
COFFYN, A. (1985) - Le Bronze Final Atlantique dans la Péninsule Ibérique. Paris: De Boccard.
FIGUEIREDO, E.; MELO, A. A. de & ARAÚJO, M de F. (2007) – Artefactos metálicos do Castro de Pragança: um estudo preliminar de algumas ligas de cobre po Espectometria de Fluorescência de Raio X. In O Arqueólogo Português, Série IV: 25, pp. 195-215.
MACWHITE, E. (1951) - Estudios sobre las relaciones atlánticas de la Peninsula Hispanica en la Edad del Bronce. Madrid: Seminario de Historia Primitiva del Hombre.
ODRIOZOLA, C.P.; SOUSA, A.C.; MATALOTO, R.; BOAVENTURA, R.; ANDRADE, M.; VILLALOBOS GARCÍA, R.; GARRIDO-CORDERIO; J. A.; RODRÍGUEZ, E.; MARTÍNES-BLANES, J.M.; ÁNGEL AVILÉS, M.; DAURA, J. SANZ, M. & ANTONIO RIQUELME, J. (2017) – Amber, beads and social interaction in the Late Prehistory of the Iberian Peninsula: an update. Archaeological Anthropolical Science. Doi: 10.1007/s12520-017-0549-7.
OSORIO, A. B. (2013) - Gestos e Materiais: uma abordagem interdisciplinar sobre ceramicas com decoracoes brunidas do Bronze Final/I Idade do Ferro. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Coimbra: Faculdade de Letras/ Universidade de Coimbra.
REPREZAS, J. L. (2010) - A Cerâmica Decorada do Mundo Baiões/Santa Luzia. Dissertação de Mestrado em Arqueologia, Lisboa: Faculdade de Letras/ Universidade de Lisboa.
CARIA, P. (2021) - A ocupação da Idade do Bronze do Castro de Pragança (Cadaval, Portugal): uma leitura através do espólio cerâmico. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. http://hdl.handle.net/10451/51279
COFFYN, A. (1985) - Le Bronze Final Atlantique dans la Péninsule Ibérique. Paris: De Boccard.
FIGUEIREDO, E.; MELO, A. A. de & ARAÚJO, M de F. (2007) – Artefactos metálicos do Castro de Pragança: um estudo preliminar de algumas ligas de cobre po Espectometria de Fluorescência de Raio X. In O Arqueólogo Português, Série IV: 25, pp. 195-215.
MACWHITE, E. (1951) - Estudios sobre las relaciones atlánticas de la Peninsula Hispanica en la Edad del Bronce. Madrid: Seminario de Historia Primitiva del Hombre.
ODRIOZOLA, C.P.; SOUSA, A.C.; MATALOTO, R.; BOAVENTURA, R.; ANDRADE, M.; VILLALOBOS GARCÍA, R.; GARRIDO-CORDERIO; J. A.; RODRÍGUEZ, E.; MARTÍNES-BLANES, J.M.; ÁNGEL AVILÉS, M.; DAURA, J. SANZ, M. & ANTONIO RIQUELME, J. (2017) – Amber, beads and social interaction in the Late Prehistory of the Iberian Peninsula: an update. Archaeological Anthropolical Science. Doi: 10.1007/s12520-017-0549-7.
OSORIO, A. B. (2013) - Gestos e Materiais: uma abordagem interdisciplinar sobre ceramicas com decoracoes brunidas do Bronze Final/I Idade do Ferro. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Coimbra: Faculdade de Letras/ Universidade de Coimbra.
REPREZAS, J. L. (2010) - A Cerâmica Decorada do Mundo Baiões/Santa Luzia. Dissertação de Mestrado em Arqueologia, Lisboa: Faculdade de Letras/ Universidade de Lisboa.
Pedro Caria
in UNIARQ DIGITAL 74, Abril de 2023
in UNIARQ DIGITAL 74, Abril de 2023
Colar de Âmbar do Cabecinho da Capitôa
Proveniência: Cabecinho da Capitôa (Mafra, Portugal)
Cronologia: Idade do Bronze Final / Ferro (Séc. VIII-VI a.C.) Trabalhos arqueológicos: Escavação preventiva sob direcção de Ana Catarina Sousa, Marta Miranda e Carlos Pereira. Descrição: O colar de âmbar do Cabecinho da Capitôa foi identificado em 2006 numa intervenção arqueológica preventiva da Auto-Estrada A21. Identificado em contexto de acompanhamento de obra, o sítio foi inicialmente alvo de sondagens prévias pouco conclusivas. Já em fase de obra, o local foi objecto de decapagens mecânicas da camada superficial e de posterior escavação manual alargada (492m2). Atendendo à escassa potência estratigráfica do local e à prévia remoção dos estratos superficiais, a detecção do colar de âmbar ocorreu praticamente à superfície, apresentando bastante afectação de raízes |
As contas de âmbar encontravam-se todas agrupadas, ainda na sua posição original, com as maiores posicionadas na área central. O número total de peças (44) e a sua disposição levam-nos a admitir que se trata de um colar completo depositado praticamente no topo do pequeno cabeço.
O conjunto é constituído por 19 contas completas e 25 fragmentos, apresentando três formas e calibres distintos: 1) discóide grande de espessura assimétrica na parte central do colar (32-20 mm); 2) discóide média (19-6 mm) e 3) esferóidal (inferior a 6 mm). Assume-se que o colar teria um núcleo central de sete contas de maiores dimensões, a que se acrescentariam, de cada um dos lados, 15 contas de morfologia idêntica, mas de menores dimensões, sendo rematado pelas esféricas.
A análise das contas de âmbar por FTIR (Fourier Transform Infrared spectroscopy) evidenciou um espectro compatível com o âmbar do Báltico (sucinite). Comentário: A recente publicação deste contexto (Sousa et al, 2022) efectuou um estudo integrado e interdisciplinar do sítio, incluindo não apenas o referido colar de âmbar como outros contextos e materiais detectados em Cabecinho da Capitôa. A circunstância da intervenção ter ocorrido em contexto de arqueologia preventiva permitiu a realização de trabalhos arqueológicos em toda a elevação, verificando-se a presença pontual de contextos arqueológicos apenas em dois pontos circunscritos separados por 20 m. Para além do núcleo associado ao colar de âmbar foi registado um contexto com duas fossas associadas a uma concentração de cerâmicas fragmentadas em conexão, constituída predominantemente por vasos destinados ao consumo de alimentos, eventualmente traduzindo práticas de comensalidade. Apenas foi possível datar por radiocarbono o núcleo de fossas e deposição de cerâmicas, sendo a data proposta indirectamente associada ao colar de âmbar. A conservação in situ do colar de âmbar, o seu carácter isolado e a natureza dos restantes contextos registados neste sítio parecem claramente indicar que se trata de uma deposição intencional de carácter votivo. A origem exógena do âmbar é também reveladora da importância simbólica deste contexto, evidenciando práticas rituais que se mantém até cronologias mais tardias. |
Local de depósito: Depósito Oficial de Bens Arqueológicos da Câmara Municipal de Mafra
Bibliografia
Sousa, A. C., Pereira, C., Miranda, M., Monge Soares, A., Odriozola, C. und Arruda, A. M. (2023) „Cabecinho da Capitôa (Mafra, Lisbon, Portugal): An Amber Necklace and Ceramic Vessels in Votive Contexts of the Western Iberian Late Bronze Age/Early Iron Age Ana Catarina Sousa – Carlos“, Madrider Mitteilungen, 63, S. 42–. doi: https://doi.org/10.34780/99co-kc98
Sousa, A. C., Pereira, C., Miranda, M., Monge Soares, A., Odriozola, C. und Arruda, A. M. (2023) „Cabecinho da Capitôa (Mafra, Lisbon, Portugal): An Amber Necklace and Ceramic Vessels in Votive Contexts of the Western Iberian Late Bronze Age/Early Iron Age Ana Catarina Sousa – Carlos“, Madrider Mitteilungen, 63, S. 42–. doi: https://doi.org/10.34780/99co-kc98
Ana Catarina Sousa
in UNIARQ DIGITAL 72, Fevereiro de 2023
in UNIARQ DIGITAL 72, Fevereiro de 2023
Pendente de vidro púnico em forma de cabeça de carneiro
Proveniência: Cabeça de Vaiamonte (Monforte, Portugal)
Cronologia: II Idade do Ferro
Direcção dos trabalhos: Manuel Heleno (escavações promovidas pelo então Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos entre 1951 e 1964); a peça foi dada a conhecer por Carlos Fabião (2001).
Descrição:
Pendente zoomórfico de vidro em forma de cabeça/ prótomo de carneiro, polícromo. Tal como se encontra conservada actualmente, a peça apresenta um comprimento máximo de 1,8cm, uma largura máxima de 1,6cm e uma altura máxima de 1,45cm.
A peça foi elaborada sobre uma matriz de vidro de cor azul-ultramarina. Na sua porção inferior apresenta uma concavidade de tendência cónica que sugere que a porção de vidro destinada a obter a matriz terá sido aplicada sobre uma haste ou pontel, sendo modelado a quente para obter a forma geral da peça.
Os detalhes fisionómicos do animal figurado foram obtidos mediante a cuidada aplicação a quente de vidro de coloração contrastante com a da matriz. Assim, os chifres, com o seu característico aspecto em curva fechada, foram obtidos mediante a aplicação de vidro amarelo. Os olhos correspondem a glóbulos de vidro branco com pontos de vidro azul-ultramarino aplicados de forma a figurar as pupilas. As orelhas do animal, uma das quais hoje perdida, foram igualmente realizadas mediante a aplicação de vidro branco.
A julgar pelos paralelos conhecidos para este tipo de peça, este pendente contaria com uma argola de fixação na sua porção superior, também de vidro, que permitiria a sua suspensão e, consequentemente, a sua utilização como parte de um elemento, compósito ou não, muito provavelmente um colar.
Comentário:
O pendente da Cabeça de Vaiamonte pertence a um grupo bem conhecido de elementos de adorno – e, eventualmente, apotropaicos – de natureza figurativa produzidos em ambientes fenícios e, posteriormente, púnicos (Seefried 1973; 1982). Estas peças – um dos elementos de cultura material mais emblemáticos da cultura material das comunidades de origem fenícia disseminadas pelo Mediterrâneo, e especialmente pelo Mediterrâneo Central – são relativamente raras no Ocidente, sendo o exemplar da Cabeça de Vaiamonte o único exemplar conhecido até ao momento no actual território português.
A peça de Vaiamonte integra-se sem dificuldade no Tipo E I de Monique Seefried (1982: 19; 30-31), no qual a investigadora francesa, autora do estudo de referência para a classificação dos pendentes figurativos fenício-púnicos, recolhe os pendentes em forma de prótomo de carneiro de pequenas dimensões. A peça de Vaiamonte, pela sua natureza polícroma, enquadra-se mais especificamente na variante E Ib da mesma autora.
Segundo Seefried, a produção e difusão das peças deste Tipo e Variante centram-se fundamentalmente no século V a.n.e. (Seefried 1982: 132-132). Quanto à sua distribuição geográfica, deve dizer-se que uma parte substancial das peças recolhidas nos estudos citados integram colecções museológicas e não dispõem de uma proveniência conhecida. Ainda assim, os exemplares procedentes de contextos conhecidos parecem indiciar uma distribuição centrada em Cartago (Seefried 1973: 59) e na área de influência directa cartaginesa no Mediterrâneo Central, com destaque para a Sicília púnica (Seefried 1982: 132-134). Embora seja difícil identificar o ou os centros produtores das peças deste tipo, uma origem nos ateliers da metrópole púnica do Norte de África parece pelo menos plausível (Seefried 1982: 38-39).
Embora as vias e modos da chegada desta peça importada ao interior alentejano não sejam fáceis de reconstituir, deve notar-se que esta peça se enquadra num conjunto muito mais vasto de objectos de vidro pré-romanos exumados no sítio monfortense, e que inclui quase nove centenas de contas, bem como fragmentos de recipientes polícromos (Fabião 2001). Estes últimos, também eles claramente importados, devem considerar-se grosso modo contemporâneos do pendente aqui comentado, e remetem, como ele, para os circuitos comerciais púnicos.
Relativamente às rotas concretas através das quais esta peça terá chegado à Cabeça de Vaiamonte, caberia recordar que os únicos outros exemplos de pendentes de vidro figurativos púnicos conhecidos no Extremo Ocidente (neste caso pendentes antropomorfos em forma de cabeça masculina procedem da vizinha Extremadura espanhola, concretamente de Cancho Roano (pendente de Tipo C IV, século V a.n.e.) (Jiménez Ávila 2003: 273-275) e de Pajares (pendente de Tipo C III, século IV a.n.e.) (Jiménez Ávila 1999: 144-145).
Poderia por isso imaginar-se uma rota de difusão para esta peça, mas também para outros materiais vítreos, mediada pelos importantes centros de consumo de bens mediterrâneos da Extremadura Pós-Orientalizante, como aliás já apontado por Carlos Fabião (2001). A presença desta e de outras peças excepcionais neste ponto do interior alentejano indicia o papel destacado da Cabeça de Vaiamonte nas malhas de povoamento regional durante as etapas finais da Idade do Ferro, indiciada também por múltiplas outras evidências materiais, e inclusivamente pela dinâmica da sua posterior incorporação no mundo romano (Fabião 1996; 1998; Pereira 2018).
Local de depósito: Museu Nacional de Arqueologia (N.º de Inventário: 984.426.158)
Cronologia: II Idade do Ferro
Direcção dos trabalhos: Manuel Heleno (escavações promovidas pelo então Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos entre 1951 e 1964); a peça foi dada a conhecer por Carlos Fabião (2001).
Descrição:
Pendente zoomórfico de vidro em forma de cabeça/ prótomo de carneiro, polícromo. Tal como se encontra conservada actualmente, a peça apresenta um comprimento máximo de 1,8cm, uma largura máxima de 1,6cm e uma altura máxima de 1,45cm.
A peça foi elaborada sobre uma matriz de vidro de cor azul-ultramarina. Na sua porção inferior apresenta uma concavidade de tendência cónica que sugere que a porção de vidro destinada a obter a matriz terá sido aplicada sobre uma haste ou pontel, sendo modelado a quente para obter a forma geral da peça.
Os detalhes fisionómicos do animal figurado foram obtidos mediante a cuidada aplicação a quente de vidro de coloração contrastante com a da matriz. Assim, os chifres, com o seu característico aspecto em curva fechada, foram obtidos mediante a aplicação de vidro amarelo. Os olhos correspondem a glóbulos de vidro branco com pontos de vidro azul-ultramarino aplicados de forma a figurar as pupilas. As orelhas do animal, uma das quais hoje perdida, foram igualmente realizadas mediante a aplicação de vidro branco.
A julgar pelos paralelos conhecidos para este tipo de peça, este pendente contaria com uma argola de fixação na sua porção superior, também de vidro, que permitiria a sua suspensão e, consequentemente, a sua utilização como parte de um elemento, compósito ou não, muito provavelmente um colar.
Comentário:
O pendente da Cabeça de Vaiamonte pertence a um grupo bem conhecido de elementos de adorno – e, eventualmente, apotropaicos – de natureza figurativa produzidos em ambientes fenícios e, posteriormente, púnicos (Seefried 1973; 1982). Estas peças – um dos elementos de cultura material mais emblemáticos da cultura material das comunidades de origem fenícia disseminadas pelo Mediterrâneo, e especialmente pelo Mediterrâneo Central – são relativamente raras no Ocidente, sendo o exemplar da Cabeça de Vaiamonte o único exemplar conhecido até ao momento no actual território português.
A peça de Vaiamonte integra-se sem dificuldade no Tipo E I de Monique Seefried (1982: 19; 30-31), no qual a investigadora francesa, autora do estudo de referência para a classificação dos pendentes figurativos fenício-púnicos, recolhe os pendentes em forma de prótomo de carneiro de pequenas dimensões. A peça de Vaiamonte, pela sua natureza polícroma, enquadra-se mais especificamente na variante E Ib da mesma autora.
Segundo Seefried, a produção e difusão das peças deste Tipo e Variante centram-se fundamentalmente no século V a.n.e. (Seefried 1982: 132-132). Quanto à sua distribuição geográfica, deve dizer-se que uma parte substancial das peças recolhidas nos estudos citados integram colecções museológicas e não dispõem de uma proveniência conhecida. Ainda assim, os exemplares procedentes de contextos conhecidos parecem indiciar uma distribuição centrada em Cartago (Seefried 1973: 59) e na área de influência directa cartaginesa no Mediterrâneo Central, com destaque para a Sicília púnica (Seefried 1982: 132-134). Embora seja difícil identificar o ou os centros produtores das peças deste tipo, uma origem nos ateliers da metrópole púnica do Norte de África parece pelo menos plausível (Seefried 1982: 38-39).
Embora as vias e modos da chegada desta peça importada ao interior alentejano não sejam fáceis de reconstituir, deve notar-se que esta peça se enquadra num conjunto muito mais vasto de objectos de vidro pré-romanos exumados no sítio monfortense, e que inclui quase nove centenas de contas, bem como fragmentos de recipientes polícromos (Fabião 2001). Estes últimos, também eles claramente importados, devem considerar-se grosso modo contemporâneos do pendente aqui comentado, e remetem, como ele, para os circuitos comerciais púnicos.
Relativamente às rotas concretas através das quais esta peça terá chegado à Cabeça de Vaiamonte, caberia recordar que os únicos outros exemplos de pendentes de vidro figurativos púnicos conhecidos no Extremo Ocidente (neste caso pendentes antropomorfos em forma de cabeça masculina procedem da vizinha Extremadura espanhola, concretamente de Cancho Roano (pendente de Tipo C IV, século V a.n.e.) (Jiménez Ávila 2003: 273-275) e de Pajares (pendente de Tipo C III, século IV a.n.e.) (Jiménez Ávila 1999: 144-145).
Poderia por isso imaginar-se uma rota de difusão para esta peça, mas também para outros materiais vítreos, mediada pelos importantes centros de consumo de bens mediterrâneos da Extremadura Pós-Orientalizante, como aliás já apontado por Carlos Fabião (2001). A presença desta e de outras peças excepcionais neste ponto do interior alentejano indicia o papel destacado da Cabeça de Vaiamonte nas malhas de povoamento regional durante as etapas finais da Idade do Ferro, indiciada também por múltiplas outras evidências materiais, e inclusivamente pela dinâmica da sua posterior incorporação no mundo romano (Fabião 1996; 1998; Pereira 2018).
Local de depósito: Museu Nacional de Arqueologia (N.º de Inventário: 984.426.158)
Bibliografia:
FABIÃO, C. (1996) – O Povoado Fortificado da Cabeça de Vaiamonte (Monforte). A Cidade: Revista Cultural de Portalegre, 11, 35-84.
FABIÃO, C. (1998) - O Mundo Indígena e a sua Romanização na Área Céltica do actual território português. Tese de Doutoramento em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 3 Volumes. Inédita.
FABIÃO, C. (2001) – Importações de origem mediterrânea no interior do Sudoeste Peninsular na segunda metade do I milénio A.C.: materiais de Cabeça de Vaiamonte, Monforte. In Os Púnicos no Extremo Ocidente, 197-227. Lisboa: Universidade Aberta.
JIMÉNEZ ÁVILA, J. (1999) – Los objetos de vidrio procedentes del yacimiento de Pajares: estudio preliminar. In CELESTINO PÉREZ, S. (ed.) – El Yacimiento Protohistórico de Pajares. Villanueva de la Vera. Cáceres. 1. Las Necrópolis y el Tesoro Áureo, 139 ‑152. Cáceres: Junta de Extremadura.
JIMÉNEZ ÁVILA, J. (2003) – Los objetos de pasta vítrea de Cancho Roano. In CELESTINO PÉREZ, S. (ed.) – Cancho Roano VIII ‑ IX: Los materiales arqueológicos, 263 ‑291. Badajoz: Museo Arqueológico de Badajoz.
PEREIRA, T. R. (2018) – O papel do exército no processo de romanização: a cabeça de Vaiamonte (Monforte) como estudo de caso. Tese de Doutoramento no Ramo de História, especialização em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Inédita.
SEEFRIED, M. (1973) – Les pendentifs en verre façonnés sur noyau du Musée national du Bardo et du Musée national de Carthage. Karthago, 17, 36-67.
SEEFRIED, M. (1982) – Les pendentifs en verre sur noyau des pays de la Méditerranée antique. Paris: Diffusion du Boccard.
FABIÃO, C. (1996) – O Povoado Fortificado da Cabeça de Vaiamonte (Monforte). A Cidade: Revista Cultural de Portalegre, 11, 35-84.
FABIÃO, C. (1998) - O Mundo Indígena e a sua Romanização na Área Céltica do actual território português. Tese de Doutoramento em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 3 Volumes. Inédita.
FABIÃO, C. (2001) – Importações de origem mediterrânea no interior do Sudoeste Peninsular na segunda metade do I milénio A.C.: materiais de Cabeça de Vaiamonte, Monforte. In Os Púnicos no Extremo Ocidente, 197-227. Lisboa: Universidade Aberta.
JIMÉNEZ ÁVILA, J. (1999) – Los objetos de vidrio procedentes del yacimiento de Pajares: estudio preliminar. In CELESTINO PÉREZ, S. (ed.) – El Yacimiento Protohistórico de Pajares. Villanueva de la Vera. Cáceres. 1. Las Necrópolis y el Tesoro Áureo, 139 ‑152. Cáceres: Junta de Extremadura.
JIMÉNEZ ÁVILA, J. (2003) – Los objetos de pasta vítrea de Cancho Roano. In CELESTINO PÉREZ, S. (ed.) – Cancho Roano VIII ‑ IX: Los materiales arqueológicos, 263 ‑291. Badajoz: Museo Arqueológico de Badajoz.
PEREIRA, T. R. (2018) – O papel do exército no processo de romanização: a cabeça de Vaiamonte (Monforte) como estudo de caso. Tese de Doutoramento no Ramo de História, especialização em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Inédita.
SEEFRIED, M. (1973) – Les pendentifs en verre façonnés sur noyau du Musée national du Bardo et du Musée national de Carthage. Karthago, 17, 36-67.
SEEFRIED, M. (1982) – Les pendentifs en verre sur noyau des pays de la Méditerranée antique. Paris: Diffusion du Boccard.
Francisco B. Gomes
in UNIARQ DIGITAL 75, Maio de 2023
in UNIARQ DIGITAL 75, Maio de 2023
Estela epigrafada com escrita do Sudoeste
Proveniência: Monte de Gonçalo Eanes, Almodôvar (Portugal)
Cronologia: Idade do Ferro (séc. VI-V a. C.)
Descrição: Trata-se de um fragmento de estela em xisto da região (altura - 67 cm; largura - 48 cm; espessura - 9 cm), muito alterada, em particular na superfície epigrafada, tendo-se perdido uma parte significativa do seu texto original. De qualquer modo, conservou-se uma pequena sequência, que deverá certamente corresponder ao final da inscrição. Sendo uma escrita orientada geralmente da direita para a esquerda, é provável que o texto começasse do lado direito da estela, e acompanhasse os limites do bloco de xisto, terminando com a sequência conservada.
Dois aspectos tornam este texto particularmente interessante: a ocorrência de um signo que só foi antes registado no signário de Espanca (um documento tomado como um exercício de escrita que contém duas linhas, cada uma delas com todos os signos do sistema de escrita, um signário), precisamente o primeiro totalmente conservado neste texto (uma espécie de D com uma série de linhas oblíquas); para além disso, o facto de este mesmo signo se repetir, por baixo, de forma mais ténue, dando mesmo a impressão que uma gravação experimental foi substituída por outra.
Cronologia: Idade do Ferro (séc. VI-V a. C.)
Descrição: Trata-se de um fragmento de estela em xisto da região (altura - 67 cm; largura - 48 cm; espessura - 9 cm), muito alterada, em particular na superfície epigrafada, tendo-se perdido uma parte significativa do seu texto original. De qualquer modo, conservou-se uma pequena sequência, que deverá certamente corresponder ao final da inscrição. Sendo uma escrita orientada geralmente da direita para a esquerda, é provável que o texto começasse do lado direito da estela, e acompanhasse os limites do bloco de xisto, terminando com a sequência conservada.
Dois aspectos tornam este texto particularmente interessante: a ocorrência de um signo que só foi antes registado no signário de Espanca (um documento tomado como um exercício de escrita que contém duas linhas, cada uma delas com todos os signos do sistema de escrita, um signário), precisamente o primeiro totalmente conservado neste texto (uma espécie de D com uma série de linhas oblíquas); para além disso, o facto de este mesmo signo se repetir, por baixo, de forma mais ténue, dando mesmo a impressão que uma gravação experimental foi substituída por outra.
Comentário: O património epigráfico pré-romano do Sudoeste da Península Ibérica ganhou já um lugar consolidado no domínio da investigação arqueológica e em alguns sectores do público mais informado. O facto de as inscrições, especialmente as gravadas em estelas, documentarem a mais antiga escrita paleo-hispânica, identificável e caracterizada, constitui só por isso um aspecto que lhe confere uma importância extraordinária.
O repositório deste tipo de vestígios é ainda bastante reduzido, não ultrapassando a centena, mesmo na contagem mais larga, razão pela qual os novos achados acabam por assumir uma considerável relevância. Em alguns casos, como acontece neste, aportam igualmente pequenas novidades, o que justifica a escolha deste monumento como “peça do mês”.
Esta estela foi encontrada junto ao monte de Gonçalo Eanes (ou Anes), junto à sede de concelho de Almodôvar. Este território tem sido especialmente destacado nas últimas décadas no que respeita a achados deste tipo, situando-se na sua área nuclear, que abarca ainda os concelhos de Ourique e Loulé e, em menor escala, Silves e Castro Verde. A sua descoberta não será certamente estranha à circunstância de há algum tempo se ter criado no município o Museu da Escrita do Sudoeste que deu a conhecer a um público amplo a natureza destes monumentos e a sua importância patrimonial.
Tratando-se de um sistema não estabilizado, é natural que sejam bastante frequentes signos com ocorrências muito raras ou únicas, grafados de diferentes modos de acordo com o lapicida. Como acontece com uma parte destes caracteres, não parece possível estabelecer o seu valor fonético, sendo esta uma das principais limitações da escrita do Sudoeste, onde uma parte considerável dos signos não tem uma equivalência fonética seguramente estabelecida. Nem é possível, naturalmente, definir a língua transcrita nestas epígrafes, muito menos o significado preciso dos textos.
Local de depósito: Museu da Escrita do Sudoeste, Almodôvar (actualmente em remodelação)
O repositório deste tipo de vestígios é ainda bastante reduzido, não ultrapassando a centena, mesmo na contagem mais larga, razão pela qual os novos achados acabam por assumir uma considerável relevância. Em alguns casos, como acontece neste, aportam igualmente pequenas novidades, o que justifica a escolha deste monumento como “peça do mês”.
Esta estela foi encontrada junto ao monte de Gonçalo Eanes (ou Anes), junto à sede de concelho de Almodôvar. Este território tem sido especialmente destacado nas últimas décadas no que respeita a achados deste tipo, situando-se na sua área nuclear, que abarca ainda os concelhos de Ourique e Loulé e, em menor escala, Silves e Castro Verde. A sua descoberta não será certamente estranha à circunstância de há algum tempo se ter criado no município o Museu da Escrita do Sudoeste que deu a conhecer a um público amplo a natureza destes monumentos e a sua importância patrimonial.
Tratando-se de um sistema não estabilizado, é natural que sejam bastante frequentes signos com ocorrências muito raras ou únicas, grafados de diferentes modos de acordo com o lapicida. Como acontece com uma parte destes caracteres, não parece possível estabelecer o seu valor fonético, sendo esta uma das principais limitações da escrita do Sudoeste, onde uma parte considerável dos signos não tem uma equivalência fonética seguramente estabelecida. Nem é possível, naturalmente, definir a língua transcrita nestas epígrafes, muito menos o significado preciso dos textos.
Local de depósito: Museu da Escrita do Sudoeste, Almodôvar (actualmente em remodelação)
Bibliografia:
GUERRA; Amílcar; BARROS, Pedro; CORTES, Rui (2021) - O Projecto ESTELA e os seus mais recentes resultados. Palaeohispanica: Revista sobre lenguas y culturas de la Hispania antigua. Zaragoza. 21: 1, pp. 127-148.
CORREA, José Antonio; GUERRA, Amílcar (2019) -The epigraphic and linguistic situation in the south-west of the Iberian peninsula. In: SINNER, Alejandro G.; VELAZA, Javier (eds.) - Palaeohispanic Languages and Epigraphies. Oxford: Oxford University Press, pp. 109-137.
GUERRA; Amílcar; BARROS, Pedro; MELRO, Samuel (2016) [2020] - A escrita do Sudoeste: um breve ensaio de síntese. In: OLIVEIRA, A. Paulo Dias de et al. (eds.) - Apontamentos para a História das culturas de escrita: Da Idade do Ferro à era digital. Faro: Universidade do Algarve, Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção, pp. 23-43.
GUERRA; Amílcar; BARROS, Pedro; CORTES, Rui (2021) - O Projecto ESTELA e os seus mais recentes resultados. Palaeohispanica: Revista sobre lenguas y culturas de la Hispania antigua. Zaragoza. 21: 1, pp. 127-148.
CORREA, José Antonio; GUERRA, Amílcar (2019) -The epigraphic and linguistic situation in the south-west of the Iberian peninsula. In: SINNER, Alejandro G.; VELAZA, Javier (eds.) - Palaeohispanic Languages and Epigraphies. Oxford: Oxford University Press, pp. 109-137.
GUERRA; Amílcar; BARROS, Pedro; MELRO, Samuel (2016) [2020] - A escrita do Sudoeste: um breve ensaio de síntese. In: OLIVEIRA, A. Paulo Dias de et al. (eds.) - Apontamentos para a História das culturas de escrita: Da Idade do Ferro à era digital. Faro: Universidade do Algarve, Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção, pp. 23-43.
Amílcar Guerra
in UNIARQ DIGITAL 81, Novembro de 2023
in UNIARQ DIGITAL 81, Novembro de 2023
Anforisco de vidro polícromo
Proveniência: Herdade do Gaio (Sines, Portugal)
Cronologia: Final do século VI – inícios do V a.C.
Direcção dos trabalhos: José Miguel da Costa (1966)
Descrição: Anforisco de vidro polícromo formado sobre núcleo friável. A sua altura máxima é de 10,55cm e o diâmetro máximo de 4,85cm, ao passo que o diâmetro do bordo é de 2,85cm.
Esta peça, integrável com segurança no Grupo Mediterrâneo 1 de Fossing (1940: 42-85) e Harden (1981: 58-60) (v. tb. McClellan 1984: 28-76; Grose 1989: 110-115), apresenta um bordo em disco ligeiramente inclinado para o interior, um colo cilíndrico, e um corpo bicónico assimétrico cuja porção superior, mais curta, se encontra separada da porção inferior, mais longa, por um ombro relativamente alargado. O pé da peça encontra-se assinalado por um botão de tendência toróide.
Este pequeno recipiente contaria com duas asas (uma das quais hoje parcialmente perdida) arrancando sob o bordo e terminando na quebra que marca a separação entre o colo e o corpo. Estes elementos de preensão ou suspensão foram realizados mediante o acrescento de vidro adicional, trabalhado a quente para a obtenção da configuração desejada.
O corpo da peça foi elaborado em vidro azul-de-cobalto, sobre o qual se aplicaram fios decorativos de tonalidade amarelo-de-cádmio e azul-turquesa. Apresenta, na zona do colo, uma decoração simples em espiral formada por um único fio de vidro amarelo-de-cádmio. Esta aplicação em espiral continua, com voltas mais apertadas, na porção superior do corpo.
Partindo do ombro, e até sensivelmente metade da porção inferior do corpo, as bandas amarelas resultantes desta aplicação em espiral foram alternadas com outras, de tonalidade azul-turquesa. A banda zonada resultante desta aplicação foi posteriormente deformada a intervalos regulares mediante o arrastamento de uma ferramenta apropriada (p. ex., um par de pinças metálicas), obtendo assim um padrão em zig-zag. A ação desta ferramenta é também apreciável no aspeto da superfície da peça, que apresenta sulcos ou nervuras coincidentes com os ‘picos e vales’ do motivo decorativo.
Abaixo desta característica banda decorativa, a peça apresenta ainda a continuidade da já citada espiral amarela (duas voltas adicionais). A porção inferior da peça encontra-se decorada com uma outra espiral amarela (três voltas), parcialmente deformada, talvez como resultado do movimento geral da superfície durante a execução da banda em zig-zag.
As características morfológicas desta peça aproximam-na do Tipo I:1 de D. F. Grose (1989: 130-131), ao passo que o seu padrão decorativo parece enquadrar-se na Classe I:B do mesmo autor (Grose 1989: 112), que constitui de longe a mais bem representada nos recipientes do Grupo Mediterrâneo 1.
Comentário: Os recipientes modelados sobre núcleo friável do Grupo Mediterrâneo 1 correspondem a produções do âmbito do Egeu que alcançaram uma ampla difusão à escala do Mediterrâneo e também das suas áreas limítrofes. Essa difusão alcança também o território peninsular, onde os achados de exemplares atribuíveis a este grupo são relativamente comuns, alcançando uma distribuição geográfica considerável (Feugère 1989; Gomes 2023: Fig. 5), em certa medida comparável à de outros produtos gregos grosso modo contemporâneos, como a cerâmica ática.
A chegada destas peças para o Ocidente do Mediterrâneo, contudo, parece ter-se operado por distintas vias. Se não pode excluir-se nalguns casos uma difusão direta através do comércio grego, no caso da fachada atlântica peninsular parece muito provável que estes pequenos recipientes e os seus conteúdos tenham chegado por via do comércio púnico. O perfil das formas documentadas na região é, de facto, comparável ao que se aprecia em núcleos púnicos do Sul peninsular, afastando-se pelo contrário do padrão observado na colónia grega de Emporion (Empúries, Girona), no Nordeste Peninsular (Gomes no prelo).
Os produtos aromáticos/ cosméticos que se presume terem estado contidos nestas peças vêm suprir, na Península Ibérica, um vazio deixado com a quebra do comércio de perfumes fenícios e gregos arcaicos, que se pode rastrear no registo arqueológico através da presença das chamadas oil bottles fenícias e dos aryballoi e outros recipientes coríntios e da Grécia de Leste (Gomes 2023).
A sua popularidade – sem dúvida amplificada pelas qualidades estéticas dos próprios recipientes – é reveladora da importância dos perfumes e substâncias aromáticas para as populações locais. Essa importância expressa-se quer no âmbito dos cuidados corporais, enquadrados numa lógica mais vasta de representação social e identitária centrada no corpo e na corporalidade, quer no âmbito funerário e também religioso.
Não é, por isso, surpreendente que o anforisco da Herdade do Gaio (juntamente com um fragmento de um alabastron também de vidro) tenha sido recuperado num contexto funerário certamente pertencente a um indivíduo com uma elevada relevância social. Com efeito, da mesma sepultura – infelizmente descoberta e explorada no contexto de trabalhos agrícolas (Costa 1967; 1972) procede um vasto conjunto de objetos de adorno, muitos dos quais de origem exógena (v. Silva & Gomes 1992: Fig. 52; Correia 2021).
Destaca-se, neste conjunto, a ourivesaria, representada por um diadema articulado e duas arrecadas com decoração figurativa, amplamente estudados (Correia, Parreira & Silva 2013: 68 e 71-72), além de diversas contas de ouro. Contudo, merecem também destaque os numerosos objetos de adorno em matérias-primas exóticas ali recolhidos, com destaque para as contas e pendentes de vidro, âmbar e cornalina (Correia 2021: 151).
Todos estes elementos indiciam um importante investimento da comunidade no cuidado e adorno corporal do defunto ou, mais provavelmente, da defunta. Por outro lado, este espólio é revelador de uma procura consistente de bens mediterrâneos por parte das comunidades locais do Sul de Portugal. Essa procura explica-se não só por uma apreciação estética por estes materiais, mas também pelo papel que os mesmos desempenham na projeção de determinadas identidades sociais. A estes fatores, contudo, haveria a somar uma função metonímica, em que o consumo e ostentação destes materiais sinaliza o acesso dessas comunidades a uma escala de relações e interações a longa distância, reclamando simbolicamente o seu lugar nas redes sociopolíticas do Mediterrâneo.
Local de depósito: Museu Municipal de Sines
Cronologia: Final do século VI – inícios do V a.C.
Direcção dos trabalhos: José Miguel da Costa (1966)
Descrição: Anforisco de vidro polícromo formado sobre núcleo friável. A sua altura máxima é de 10,55cm e o diâmetro máximo de 4,85cm, ao passo que o diâmetro do bordo é de 2,85cm.
Esta peça, integrável com segurança no Grupo Mediterrâneo 1 de Fossing (1940: 42-85) e Harden (1981: 58-60) (v. tb. McClellan 1984: 28-76; Grose 1989: 110-115), apresenta um bordo em disco ligeiramente inclinado para o interior, um colo cilíndrico, e um corpo bicónico assimétrico cuja porção superior, mais curta, se encontra separada da porção inferior, mais longa, por um ombro relativamente alargado. O pé da peça encontra-se assinalado por um botão de tendência toróide.
Este pequeno recipiente contaria com duas asas (uma das quais hoje parcialmente perdida) arrancando sob o bordo e terminando na quebra que marca a separação entre o colo e o corpo. Estes elementos de preensão ou suspensão foram realizados mediante o acrescento de vidro adicional, trabalhado a quente para a obtenção da configuração desejada.
O corpo da peça foi elaborado em vidro azul-de-cobalto, sobre o qual se aplicaram fios decorativos de tonalidade amarelo-de-cádmio e azul-turquesa. Apresenta, na zona do colo, uma decoração simples em espiral formada por um único fio de vidro amarelo-de-cádmio. Esta aplicação em espiral continua, com voltas mais apertadas, na porção superior do corpo.
Partindo do ombro, e até sensivelmente metade da porção inferior do corpo, as bandas amarelas resultantes desta aplicação em espiral foram alternadas com outras, de tonalidade azul-turquesa. A banda zonada resultante desta aplicação foi posteriormente deformada a intervalos regulares mediante o arrastamento de uma ferramenta apropriada (p. ex., um par de pinças metálicas), obtendo assim um padrão em zig-zag. A ação desta ferramenta é também apreciável no aspeto da superfície da peça, que apresenta sulcos ou nervuras coincidentes com os ‘picos e vales’ do motivo decorativo.
Abaixo desta característica banda decorativa, a peça apresenta ainda a continuidade da já citada espiral amarela (duas voltas adicionais). A porção inferior da peça encontra-se decorada com uma outra espiral amarela (três voltas), parcialmente deformada, talvez como resultado do movimento geral da superfície durante a execução da banda em zig-zag.
As características morfológicas desta peça aproximam-na do Tipo I:1 de D. F. Grose (1989: 130-131), ao passo que o seu padrão decorativo parece enquadrar-se na Classe I:B do mesmo autor (Grose 1989: 112), que constitui de longe a mais bem representada nos recipientes do Grupo Mediterrâneo 1.
Comentário: Os recipientes modelados sobre núcleo friável do Grupo Mediterrâneo 1 correspondem a produções do âmbito do Egeu que alcançaram uma ampla difusão à escala do Mediterrâneo e também das suas áreas limítrofes. Essa difusão alcança também o território peninsular, onde os achados de exemplares atribuíveis a este grupo são relativamente comuns, alcançando uma distribuição geográfica considerável (Feugère 1989; Gomes 2023: Fig. 5), em certa medida comparável à de outros produtos gregos grosso modo contemporâneos, como a cerâmica ática.
A chegada destas peças para o Ocidente do Mediterrâneo, contudo, parece ter-se operado por distintas vias. Se não pode excluir-se nalguns casos uma difusão direta através do comércio grego, no caso da fachada atlântica peninsular parece muito provável que estes pequenos recipientes e os seus conteúdos tenham chegado por via do comércio púnico. O perfil das formas documentadas na região é, de facto, comparável ao que se aprecia em núcleos púnicos do Sul peninsular, afastando-se pelo contrário do padrão observado na colónia grega de Emporion (Empúries, Girona), no Nordeste Peninsular (Gomes no prelo).
Os produtos aromáticos/ cosméticos que se presume terem estado contidos nestas peças vêm suprir, na Península Ibérica, um vazio deixado com a quebra do comércio de perfumes fenícios e gregos arcaicos, que se pode rastrear no registo arqueológico através da presença das chamadas oil bottles fenícias e dos aryballoi e outros recipientes coríntios e da Grécia de Leste (Gomes 2023).
A sua popularidade – sem dúvida amplificada pelas qualidades estéticas dos próprios recipientes – é reveladora da importância dos perfumes e substâncias aromáticas para as populações locais. Essa importância expressa-se quer no âmbito dos cuidados corporais, enquadrados numa lógica mais vasta de representação social e identitária centrada no corpo e na corporalidade, quer no âmbito funerário e também religioso.
Não é, por isso, surpreendente que o anforisco da Herdade do Gaio (juntamente com um fragmento de um alabastron também de vidro) tenha sido recuperado num contexto funerário certamente pertencente a um indivíduo com uma elevada relevância social. Com efeito, da mesma sepultura – infelizmente descoberta e explorada no contexto de trabalhos agrícolas (Costa 1967; 1972) procede um vasto conjunto de objetos de adorno, muitos dos quais de origem exógena (v. Silva & Gomes 1992: Fig. 52; Correia 2021).
Destaca-se, neste conjunto, a ourivesaria, representada por um diadema articulado e duas arrecadas com decoração figurativa, amplamente estudados (Correia, Parreira & Silva 2013: 68 e 71-72), além de diversas contas de ouro. Contudo, merecem também destaque os numerosos objetos de adorno em matérias-primas exóticas ali recolhidos, com destaque para as contas e pendentes de vidro, âmbar e cornalina (Correia 2021: 151).
Todos estes elementos indiciam um importante investimento da comunidade no cuidado e adorno corporal do defunto ou, mais provavelmente, da defunta. Por outro lado, este espólio é revelador de uma procura consistente de bens mediterrâneos por parte das comunidades locais do Sul de Portugal. Essa procura explica-se não só por uma apreciação estética por estes materiais, mas também pelo papel que os mesmos desempenham na projeção de determinadas identidades sociais. A estes fatores, contudo, haveria a somar uma função metonímica, em que o consumo e ostentação destes materiais sinaliza o acesso dessas comunidades a uma escala de relações e interações a longa distância, reclamando simbolicamente o seu lugar nas redes sociopolíticas do Mediterrâneo.
Local de depósito: Museu Municipal de Sines
Bibliografia:
Correia, V. H. (2021) – O tesouro do Gaio. Estado da Arte. In Pereira, R. E. (dir.), Memórias da Praia de São Torpes. Sines: Museu de Sines.
Correia, V. H., Parreira, R. & Silva, A. C. F. da (2013) – Ourivesaria Arcaica do Território Português. Lisboa: CTT.
Costa, J. M. da (1967) – O tesouro Fenício ou Cartaginês do Gaio (Sines). Ethnos, 5, pp. 529-537.
Costa, J. M. da (1972) – O tesouro púnico-tartéssico do Gaio. In Actas das II Jornadas da Associação dos Arqueólogos Portugueses, pp. 97-120. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Feugère, M. (1989) – Les vases en verre sur noyau d’argile en Méditerranée nord-occidentale. In Feugère, M. (ed.), Le verre préromain en Europe occidentale, pp. 29-62.
Fossing, P. (1940) – Glass vessels before glass-blowing. Copenhaga: Ejnar Munksgaard.
Gomes, F. B. (2023) – Trade and Consumption of Mediterranean Perfumes in the Iron Age Iberian Peninsula: An Overview. In Bentz, M. & Heinzelmann, M. (eds.), Archaeology and Economy in the Ancient World – Proceedings of the 19th International Congress of Classical Archaeology, Cologne/Bonn 2018. Sessions 4–5, Single Contributions, pp. 317-325. Heidelberg: Propylaeum.
Gomes, F. B. (no prelo) – Pre-Roman and Early Roman core-formed glass vessels in the Iberian Peninsula: an overview. In Annales of the 22nd Congress of the Association International pour l’Histoire du Verre. Lisbon: AIHV/VICARTE.
Grose, D. F. (1989) – Early Ancient Glass. New York: Hudson Hills Press.
Harden, D. (1981) – Catalogue of Greek and Roman glass in the British Museum. Volume I. Core- and rod-formed vessels and pendants and Mycenaean cast objects. Londres: British Museum
McClellan, M. C. (1984) – Core-formed glass from dated contexts. Tese de Doutoramento em Arqueologia Clássica. University of Pennsylvania. Inédita.
Silva, A. C. F. da & Gomes, M. V. (1992) – Proto-História de Portugal. Lisboa: Universidade Aberta.
Correia, V. H. (2021) – O tesouro do Gaio. Estado da Arte. In Pereira, R. E. (dir.), Memórias da Praia de São Torpes. Sines: Museu de Sines.
Correia, V. H., Parreira, R. & Silva, A. C. F. da (2013) – Ourivesaria Arcaica do Território Português. Lisboa: CTT.
Costa, J. M. da (1967) – O tesouro Fenício ou Cartaginês do Gaio (Sines). Ethnos, 5, pp. 529-537.
Costa, J. M. da (1972) – O tesouro púnico-tartéssico do Gaio. In Actas das II Jornadas da Associação dos Arqueólogos Portugueses, pp. 97-120. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Feugère, M. (1989) – Les vases en verre sur noyau d’argile en Méditerranée nord-occidentale. In Feugère, M. (ed.), Le verre préromain en Europe occidentale, pp. 29-62.
Fossing, P. (1940) – Glass vessels before glass-blowing. Copenhaga: Ejnar Munksgaard.
Gomes, F. B. (2023) – Trade and Consumption of Mediterranean Perfumes in the Iron Age Iberian Peninsula: An Overview. In Bentz, M. & Heinzelmann, M. (eds.), Archaeology and Economy in the Ancient World – Proceedings of the 19th International Congress of Classical Archaeology, Cologne/Bonn 2018. Sessions 4–5, Single Contributions, pp. 317-325. Heidelberg: Propylaeum.
Gomes, F. B. (no prelo) – Pre-Roman and Early Roman core-formed glass vessels in the Iberian Peninsula: an overview. In Annales of the 22nd Congress of the Association International pour l’Histoire du Verre. Lisbon: AIHV/VICARTE.
Grose, D. F. (1989) – Early Ancient Glass. New York: Hudson Hills Press.
Harden, D. (1981) – Catalogue of Greek and Roman glass in the British Museum. Volume I. Core- and rod-formed vessels and pendants and Mycenaean cast objects. Londres: British Museum
McClellan, M. C. (1984) – Core-formed glass from dated contexts. Tese de Doutoramento em Arqueologia Clássica. University of Pennsylvania. Inédita.
Silva, A. C. F. da & Gomes, M. V. (1992) – Proto-História de Portugal. Lisboa: Universidade Aberta.
Francisco B. Gomes
in UNIARQ DIGITAL 82, Dezembro de 2023
in UNIARQ DIGITAL 82, Dezembro de 2023
Elementos de preensão de passadores de cobre romanos
Proveniência: Mesas do Castelinho, Almodôvar (CNS 4263)
Cronologia: Século I a.C.
Direcção dos trabalhos: Carlos Fabião; Amílcar Guerra
Descrição: Elementos de preensão em bronze de passadores de cobre romanos do período tardo-republicano (sécs. II – I a.C.).
Os passadores são feitos com fina folha de cobre, perfurada, que pela sua fragilidade dificilmente se conserva. Pelo contrário, os elementos de preensão, normalmente dois, feitos com ligas mais sólidas (bronze) conservam-se razoavelmente bem.
O sistema de preensão consta de dois elementos, um, composto por duas hastes reviradas, que partem de um toro comum, rematado por chapa que se solda à parede exterior do passador, de dimensões variadas, tem usualmente cerca de 3,5 cm de extensão total, com o elemento cimeiro desenhando um semicírculo de 1.5 cm de diâmetro; o outro, em forma de T, com uma chapa achatada subrectangular, lembrando uma cauda de pássaro, abre-se, desenhando um semicírculo, com remates de sugestão zoomórfica, d 5 por 3 centímetros, fixava-se no bordo do passador, imediatamente acima do anterior. O primeiro servia para introduzir os dedos e o segundo constituía apoio do polegar, como se pode ver na imagem anexa, construída por Jean-Paul Guillaumet (1991: 89, Fig.1), permitindo assim uma preensão segura.
Encontram-se em depósito provisório nas instalações do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ).
Comentário:
Estes elementos pertencem ao grupo que a bibliografia internacional designa como “small finds” ou “petites objets”, artefactos arqueológicos muitas vezes pouco considerados, pelas dificuldades decorrentes da sua classificação e identificação funcional.
Os passadores de cobre (também os há em prata) de época romana tardo-republicana, séculos II-I a.C., constituem elementos particularmente interessantes por estarem associados às panóplias usadas no consumo do vinho, chegam à Península Ibérica associados ao processo da conquista – na Antiguidade, o hábito mediterrâneo consistia em consumir o vinho, não filtrado, misturado com outras substâncias, daí a importância do passador para o serviço final.
Até há poucos anos, o seu registo na Península Ibérica era bastante discreto, pelas dificuldades de estudo acima referidas. Nos últimos anos, a baixela metálica de origem ou inspiração itálica, na qual se enquadram os elementos de preensão de passadores de cobre, vem concitando maior atenção e interesse entre os investigadores, crescendo exponencialmente a sua expressão. Constituem artefactos relevantes para identificar o processo de expansão / aquisição da sociabilidade à maneira romana no consumo do vinho. Identificam-se em contextos romanos, de cariz militar ou não, mas também em ambientes indígenas, revelando o processo de aquisição e disseminação destes hábitos nas elites locais. Pela Europa fora, onde se escavaram necrópoles dos séculos II / I a.C., as panóplias metálicas para consumo do vinho identificam-se em deposição votiva no interior das sepulturas, mesmo em zonas onde não é expressiva a presença romana, sublinhando a sua dimensão de objectos de prestígio.
Cronologia: Século I a.C.
Direcção dos trabalhos: Carlos Fabião; Amílcar Guerra
Descrição: Elementos de preensão em bronze de passadores de cobre romanos do período tardo-republicano (sécs. II – I a.C.).
Os passadores são feitos com fina folha de cobre, perfurada, que pela sua fragilidade dificilmente se conserva. Pelo contrário, os elementos de preensão, normalmente dois, feitos com ligas mais sólidas (bronze) conservam-se razoavelmente bem.
O sistema de preensão consta de dois elementos, um, composto por duas hastes reviradas, que partem de um toro comum, rematado por chapa que se solda à parede exterior do passador, de dimensões variadas, tem usualmente cerca de 3,5 cm de extensão total, com o elemento cimeiro desenhando um semicírculo de 1.5 cm de diâmetro; o outro, em forma de T, com uma chapa achatada subrectangular, lembrando uma cauda de pássaro, abre-se, desenhando um semicírculo, com remates de sugestão zoomórfica, d 5 por 3 centímetros, fixava-se no bordo do passador, imediatamente acima do anterior. O primeiro servia para introduzir os dedos e o segundo constituía apoio do polegar, como se pode ver na imagem anexa, construída por Jean-Paul Guillaumet (1991: 89, Fig.1), permitindo assim uma preensão segura.
Encontram-se em depósito provisório nas instalações do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ).
Comentário:
Estes elementos pertencem ao grupo que a bibliografia internacional designa como “small finds” ou “petites objets”, artefactos arqueológicos muitas vezes pouco considerados, pelas dificuldades decorrentes da sua classificação e identificação funcional.
Os passadores de cobre (também os há em prata) de época romana tardo-republicana, séculos II-I a.C., constituem elementos particularmente interessantes por estarem associados às panóplias usadas no consumo do vinho, chegam à Península Ibérica associados ao processo da conquista – na Antiguidade, o hábito mediterrâneo consistia em consumir o vinho, não filtrado, misturado com outras substâncias, daí a importância do passador para o serviço final.
Até há poucos anos, o seu registo na Península Ibérica era bastante discreto, pelas dificuldades de estudo acima referidas. Nos últimos anos, a baixela metálica de origem ou inspiração itálica, na qual se enquadram os elementos de preensão de passadores de cobre, vem concitando maior atenção e interesse entre os investigadores, crescendo exponencialmente a sua expressão. Constituem artefactos relevantes para identificar o processo de expansão / aquisição da sociabilidade à maneira romana no consumo do vinho. Identificam-se em contextos romanos, de cariz militar ou não, mas também em ambientes indígenas, revelando o processo de aquisição e disseminação destes hábitos nas elites locais. Pela Europa fora, onde se escavaram necrópoles dos séculos II / I a.C., as panóplias metálicas para consumo do vinho identificam-se em deposição votiva no interior das sepulturas, mesmo em zonas onde não é expressiva a presença romana, sublinhando a sua dimensão de objectos de prestígio.
Bibliografia:
Fabião, C. (1999) A propósito do depósito de Moldes, Castelo de Neiva, Viana do Castelo: a baixela romana tardo-republicana em bronze no extremo ocidente peninsular, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 2, nº 1, p. 163-198. Guillaumet, Jean-Paul (1991) Les Passoires, In: Feugère, M.; Rolley, H., Eds. (1991) La Vaisselle Tardo-Républicaine en Bronze. Dijon : Université de Bourgogne, centre de recherches sur les techniques gréco-romaines, nº 13, p. 89-95. Como bibliografia de referência para uma introdução ao estudo da baixela metálica tardo-republicana, recomenda-se: Feugère, M.; Rolley, H., Eds. (1991) La Vaisselle Tardo-Républicaine en Bronze. Dijon : Université de Bourgogne, centre de recherches sur les techniques gréco-romaines, nº 13. Para uma iniciação ao estudo destes “pequenos objectos” recomenda-se: Artefacts Encyclopédie collaborative en ligne des objets archéologiques https://artefacts.mom.fr/en/home.php |
Carlos Fabião
in UNIARQ DIGITAL 78, Agosto de 2023
in UNIARQ DIGITAL 78, Agosto de 2023
Almofariz itálico Dramont D2
Proveniência: Loulé Velho, Quarteira
Cronologia : Meados do século I-inícios do II d. C.
Projecto: LORIVAI: Loulé Velho e o paleoestuário da Ribeira de Carcavai: povoamento, interacção e dinâmicas desde a época romana (direcção: C. Viegas e R. R. Almeida) (PNTA 2018) - www.uniarq.net/lomiddotrimiddotvai---louleacute-velho.html.
O sítio de Loulé Velho, que se localiza junto à costa entre Quarteira e Vale do Lobo, poderá ter correspondido a uma villa ou vicus com ocupação entre o séc. I e o VI, e encontra-se hoje quase totalmente destruído devido ao recúo da linha de costa (Luzia, 2004; Almeida e Viegas 2020). O projecto LORIVAI pretende resgatar a informação recolhida ao longo de anos para o Museu Municipal, através de investigação pluridisciplinar, e enquadrar o sítio no contexto do povoamento regional nas dinâmicas da economia regional e do império romano.
O almofariz, peça essencial na cozinha romana, caracteriza-se por apresentar paredes abertas e espessas, um bordo em aba e bico vertedor. Nos exemplares centro-itálicos designados tipo Dramont D2 como o que aqui se apresenta, a pasta é calcária de cor beige, bastante depurada, e a superfície interna encontra-se coberta com pequenas pedras incrustadas que serviam de atrito na mistura de alimentos e temperos.
No bordo identificou-se um conjunto de caracteres que correspondem a uma marca de oleiro, mas o seu desgaste tornou quase impossível a sua leitura. Trata-se de uma inscrição de duas linhas com caracteres em relevo onde se consegue distinguir | [---] POV / RN?RI Q ou símbolo? | (Viegas 2017).
Comentário/enquadramento
Os almofarizes centro itálicos Dramond D2 integram-se num conjunto de cerâmica comum itálica que ocorre com alguma frequência nos contextos algarvios de época romana alto imperial, embora em percentagens relativamente reduzidas quando comparadas com as produções locais/regionais ou mesmo com as importações béticas ou norte africanas.
A maior parte da cerâmica comum itálica corresponde a pratos de bordo bífido, ou outros com o característico engobe que se designou tradionalmente como “engobe vermelho pompeiano”, e a tampas. Apesar de poderem ter sido importados ainda no período republicano, é sobretudo durante o séc. I e II que atingem solo algarvio. As suas pastas, com as características inclusões negras remetem para uma origem na região da Campânia (Olcese, 2012, p. 344).
As importações centro itálicas encontram-se representadas pelos característicos almofarizes do tipo Dramont D2, que no actual território algarvio foram identificados igualmente em Balsa e Ossonoba (Aguarod, 2021; Viegas 2021), mostrando que a dispersão desdes recipientes se estende às áreas mais ocidentais do Sul da Península Ibérica.
Por fim, importa ainda destacar que em Loulé Velho, tal como parece suceder em toda a área meridional da Lusitânia durante o alto império, a presença dos almofarizes béticos é esmagadora.
Local de depósito: Museu Municipal de Loulé (ML.A0531).
Cronologia : Meados do século I-inícios do II d. C.
Projecto: LORIVAI: Loulé Velho e o paleoestuário da Ribeira de Carcavai: povoamento, interacção e dinâmicas desde a época romana (direcção: C. Viegas e R. R. Almeida) (PNTA 2018) - www.uniarq.net/lomiddotrimiddotvai---louleacute-velho.html.
O sítio de Loulé Velho, que se localiza junto à costa entre Quarteira e Vale do Lobo, poderá ter correspondido a uma villa ou vicus com ocupação entre o séc. I e o VI, e encontra-se hoje quase totalmente destruído devido ao recúo da linha de costa (Luzia, 2004; Almeida e Viegas 2020). O projecto LORIVAI pretende resgatar a informação recolhida ao longo de anos para o Museu Municipal, através de investigação pluridisciplinar, e enquadrar o sítio no contexto do povoamento regional nas dinâmicas da economia regional e do império romano.
O almofariz, peça essencial na cozinha romana, caracteriza-se por apresentar paredes abertas e espessas, um bordo em aba e bico vertedor. Nos exemplares centro-itálicos designados tipo Dramont D2 como o que aqui se apresenta, a pasta é calcária de cor beige, bastante depurada, e a superfície interna encontra-se coberta com pequenas pedras incrustadas que serviam de atrito na mistura de alimentos e temperos.
No bordo identificou-se um conjunto de caracteres que correspondem a uma marca de oleiro, mas o seu desgaste tornou quase impossível a sua leitura. Trata-se de uma inscrição de duas linhas com caracteres em relevo onde se consegue distinguir | [---] POV / RN?RI Q ou símbolo? | (Viegas 2017).
Comentário/enquadramento
Os almofarizes centro itálicos Dramond D2 integram-se num conjunto de cerâmica comum itálica que ocorre com alguma frequência nos contextos algarvios de época romana alto imperial, embora em percentagens relativamente reduzidas quando comparadas com as produções locais/regionais ou mesmo com as importações béticas ou norte africanas.
A maior parte da cerâmica comum itálica corresponde a pratos de bordo bífido, ou outros com o característico engobe que se designou tradionalmente como “engobe vermelho pompeiano”, e a tampas. Apesar de poderem ter sido importados ainda no período republicano, é sobretudo durante o séc. I e II que atingem solo algarvio. As suas pastas, com as características inclusões negras remetem para uma origem na região da Campânia (Olcese, 2012, p. 344).
As importações centro itálicas encontram-se representadas pelos característicos almofarizes do tipo Dramont D2, que no actual território algarvio foram identificados igualmente em Balsa e Ossonoba (Aguarod, 2021; Viegas 2021), mostrando que a dispersão desdes recipientes se estende às áreas mais ocidentais do Sul da Península Ibérica.
Por fim, importa ainda destacar que em Loulé Velho, tal como parece suceder em toda a área meridional da Lusitânia durante o alto império, a presença dos almofarizes béticos é esmagadora.
Local de depósito: Museu Municipal de Loulé (ML.A0531).
Bibliografia:
Almeida, R. R.; Viegas, C. (2020) – O sítio romano de Loulé Velho e o paleoestuário da Ribeira de Carcavai (LORIVAI): perspetivas e primeiros resultados de um projeto de investigação, in Actas do III encontro de História local de Loulé. Loulé: Arquivo Municipal, p. 69-88.
Aguarod, C. (1991), Cerámica romana importada de cocina en la Tarraconense. Zaragoza, Institución “Fernando el Católico”.
Aguarod, C. (2021), Cerámicas itálicas importadas de uso comun. Entre la utilidad y el prestigio, in Ochoa et al. (eds), De La Costa al Interior. Las cerámicas de importación en Hispania, V Congreso Internacional de la SECAH – Ex Officina Hispana, p. 321-351.
Luzia, I. (2004), O sítio arqueológico de Loulé Velho. Al-‘Ulyã 10, p. 43-131.
Olcese, G. (2012), Atlante dei siti di produzione ceramica (Toscana, Lazio, Campania e Sicilia): con le tabelle dei principali relitti del Mediterraneo occidentale con carichi dall'Italia centro meridionale : IV secolo a.C.-I secolo d.C (Immensa Aequora 2), Roma, Quasar.
Viegas, C. (2017), Almofariz itálico Dramont D2. In A. Carvalho, D. Paulo and R. R. de Almeida (Coord.), LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades. Catálogo da Exposição [Museu Nacional de Arqueologia], p. 383. Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Viegas, C. (2020), Late republican and early Empire common ware in Southern Lusitania (Algarve-Portugal): the Italian imports, in Rei Cretariae Romanae Fautores Acta 46, Oxford, Archaeopress, p. 129-138.
Almeida, R. R.; Viegas, C. (2020) – O sítio romano de Loulé Velho e o paleoestuário da Ribeira de Carcavai (LORIVAI): perspetivas e primeiros resultados de um projeto de investigação, in Actas do III encontro de História local de Loulé. Loulé: Arquivo Municipal, p. 69-88.
Aguarod, C. (1991), Cerámica romana importada de cocina en la Tarraconense. Zaragoza, Institución “Fernando el Católico”.
Aguarod, C. (2021), Cerámicas itálicas importadas de uso comun. Entre la utilidad y el prestigio, in Ochoa et al. (eds), De La Costa al Interior. Las cerámicas de importación en Hispania, V Congreso Internacional de la SECAH – Ex Officina Hispana, p. 321-351.
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Olcese, G. (2012), Atlante dei siti di produzione ceramica (Toscana, Lazio, Campania e Sicilia): con le tabelle dei principali relitti del Mediterraneo occidentale con carichi dall'Italia centro meridionale : IV secolo a.C.-I secolo d.C (Immensa Aequora 2), Roma, Quasar.
Viegas, C. (2017), Almofariz itálico Dramont D2. In A. Carvalho, D. Paulo and R. R. de Almeida (Coord.), LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades. Catálogo da Exposição [Museu Nacional de Arqueologia], p. 383. Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Viegas, C. (2020), Late republican and early Empire common ware in Southern Lusitania (Algarve-Portugal): the Italian imports, in Rei Cretariae Romanae Fautores Acta 46, Oxford, Archaeopress, p. 129-138.
Catarina Viegas
in UNIARQ DIGITAL 71, Janeiro de 2023
in UNIARQ DIGITAL 71, Janeiro de 2023
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