Editorial
Carlos Fabião, Director da UNIARQ
O Acontecimento maior do passado mês e Junho, com impacte directo e indirecto na actividade arqueológica, foi o anúncio da reestruturação da área da Cultura da Administração Central, com o desmembramento das competências da Direcção-Geral do Património Cultural em dois novos organismos, a saber, “uma empresa Museus e Monumentos de Portugal, sediada em Lisboa e com perfil de gestão empresarial para gerar mais valor para investir na sua qualificação e nas coleções nacionais, e um instituto público de salvaguarda do património que terá sede no Porto”: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=governo-aprova-reorganizacao-dos-servicos-do-patrimonio-cultural
Um novo passo, na sequência da anunciada “conversão das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional em institutos públicos e à consagração do Conselho de Concertação Territorial”: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=novos-passos-no-processo-de-descentralizacao-
Tudo configurando um novo sistema de desconcentração e descentralização que, em termos conceptuais, se saúda, atendendo às diferentes e desarmoniosas articulações entre a Direcção-Geral do Património Cultural e as agora extintas Direcções Regionais de Cultura.
Nestes momentos, como de costume, as reacções públicas e publicadas são díspares. Não me parece que faça sentido entrar num debate que, no estado actual da informação, seria mais ruído do que efectivo confronto de ideias de futuro. Mas não há qualquer dúvida de que as novas instituições irão necessariamente ter impacte na actividade arqueológica. Desde já, as interrogações são múltiplas: qual será o destino do Arquivo da Arqueologia Portuguesa, continuará na Ajuda? E em que quadro? Qual será o destino e enquadramento do Laboratório de Arqueociências ou da Biblioteca de Arqueologia? Que serviços associadas à Arqueologia continuarão na Ajuda e em que enquadramento? Consumar-se-á o divórcio entre actividade arqueológica e salvaguarda do Património, com a criação da nova empresa?
Seguro parece ser a não (re)criação de um Instituto Público dedicado à Arqueologia. Se essa fosse a intenção, certamente teria sido anunciada. O modelo de gestão que em boa hora foi desenhado para a Fundação Côa Parque, com uma tutela mista dos Ministérios da Cultura, Ambiente e Ciência (ao qual agora se poderia acrescentar o da Coesão Territorial) não parece fazer caminho na nova orgânica. Continuaremos a ter uma política de desinvestimento em qualquer serviço público associado à prática arqueológica e a passagem de toda essa actividade para a iniciativa privada, mesmo quando é a própria Administração Central a promover os trabalhos, como foi o caso na conclusão do Palácio da Ajuda ou da última fase das escavações do claustro da Igreja de S. Maria Maior, em Lisboa. Um futuro governo da ou integrando a Iniciativa Liberal não faria diferente.
Aguardemos, pois, uma apresentação mais concreta da nova orgânica do Ministério da Cultura para as diferentes áreas onde a Arqueologia continuará a estar presente.
Num cenário geral de desinvestimento / enfraquecimento das políticas públicas de proteção, conservação e valorização do Património Cultural, surgiu este mês a surpreendente (e grata) surpresa de ver quatro prémios da iniciativa Europa Nostra 2023 atribuídos a projectos portugueses. Um destes prémios tem particular ligação à Arqueologia, o merecido galardão de defensor do Património de Cláudio Torres.
O prémio de Cláudio Torres e do seu projecto do Campo Arqueológico de Mértola, sendo merecidíssimo, não faz justiça à dimensão multifacetada da acção do galardoado, que em muito transcende a protecção / valorização do Património Cultural.
Mértola é um caso de estudo que deveria estar sobre a mesa dos decisores políticos. Constitui um invulgar e bem-sucedido exemplo de promoção do desenvolvimento local, a partir do Património Cultural, solidamente “ancorado” no território, um valor endógeno omnipresente nas nossas regiões desertificadas do interior. Claúdio Torres soube eleger uma área concreta, até então, pouco valorizada, o legado islâmico, e transformá-la no centro da actividade do Campo Arqueológico de Mértola, que fundou, em ligação à Autarquia local. Diversificou os temas, recorde-se que a escavação e musealização da basílica do Rossio do Carmo, da Antiguidade Tardia, foi um dos primeiros projectos, ou seja, não somente o Islão esteve debaixo de foco. Soube também colocar a sua persona ao serviço do programa, seja pela presença mediática, expondo a sua história de vida (oposição à ditadura, fuga aventurosa para Marrocos, de barco, exílio e regresso), seja pela capacidade e atracção de jovens diplomados com os quais foi constituindo relevante “massa crítica” no local, não numa óptica de líder carismático, dominador, mas mais na perspectiva do “Mestre Camarada”, da pedagogia libertária.
Em suma, pegando numa vila duplamente periférica, no quadro nacional e no quadro regional (periferia esquecida de um Algarve turístico, litoralizado e focado no binómio sol e praia) conseguiu colocá-la no mapa. Hoje não há quem não identifique Mértola e esse é o imenso legado de Cláudio Torres. Não logrou estancar a perda de população no concelho, como amargamente os dados do Censo de 2021 expõem, mas deu um rumo e uma vida ao local, que será sem dúvida um poderoso instrumento de desenvolvimento sustentável presente e futuro. Mostrou em Mértola uma das vias possíveis para o combate à desertificação do interior, uma ferramenta de coesão local, regional, nacional, onde os vestígios do passado a sua leitura, mediação, partilha, desempenham relevante papel. Nem todos os locais poderão escolher um tema-bandeira, escassamente explorado, também não haverá muitas figuras com a dimensão de Cláudio Torres, dispostas a uma entrega militante e paciente a um projecto que só renderá frutos num médio / longo prazo. Mas o caminho está indicado, haja vontade, criatividade e acção.
A valorização e a mediação em torno do património cultural (arqueológico, incluído) constitui tarefa fundamental, para ir ao encontro dos princípios enunciados na Convenção-Quadro Europeia sobre o valor do Património Cultural para as Sociedades (Faro, 2005), daí a necessidade de promover o conhecimento e reconhecimento da sua presença e valor. Neste domínio, ganha sentido a grande iniciativa das Jornadas Europeias da Arqueologia, que o Inrap (França) promove, desafiando a adesão / participação de todos os agentes envolvidos nas práticas arqueológicas na Europa. Por isso, a Uniarq não poderia ficar de fora, aderindo e oferecendo diferentes contextos de exposição e partilha da sua investigação. Não aderimos a uma proposta nova, enquadramos nessa meritória iniciativa o que desde há muito fazemos. Como estamos em tempo de trabalhos de campo, convidamos os leitores desta newsletter a procurar os nossos investigadores nos locais onde decorrem as escavações. Como sempre, teremos gosto em recebê-los e apresentar-vos o que fazemos. As nossas tarefas de mediação não se esgotam no curto calendário das Jornadas Europeias de Arqueologia.
Continuamos a marcar presença nos encontros científicos realizados em âmbito nacional, como foi o caso das II Jornadas Internacionais de Arqueologia de Palmela Fazer o Lume, Fazer a Luz. Arqueologia do Fogo, um relevante e singular encontro de iniciativa autárquica, de abordagem temática em largo espectro, geográfico e cronológico. Não esquecemos também a nossa dimensão internacional, quer seja na Exposição de Turim do Projecto The Tale of Be-Archaeo, de que somos parceiros, ou o Encontro evocativo dos trinta anos da Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico (La Valetta, 1992), que decorreu em Paris.
Enquanto entidade de acolhimento de Projectos de Doutoramento e enquanto espaço de orientação e desenvolvimento de Dissertações de Mestrado, continuamos a acompanhar com apreensão a situação da Biblioteca de Arqueologia da Direcção-Geral do Património Cultural, um equipamento fundamental para o bom desenvolvimento destes trabalhos e de apoio à investigação arqueológico em geral.
Um novo passo, na sequência da anunciada “conversão das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional em institutos públicos e à consagração do Conselho de Concertação Territorial”: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=novos-passos-no-processo-de-descentralizacao-
Tudo configurando um novo sistema de desconcentração e descentralização que, em termos conceptuais, se saúda, atendendo às diferentes e desarmoniosas articulações entre a Direcção-Geral do Património Cultural e as agora extintas Direcções Regionais de Cultura.
Nestes momentos, como de costume, as reacções públicas e publicadas são díspares. Não me parece que faça sentido entrar num debate que, no estado actual da informação, seria mais ruído do que efectivo confronto de ideias de futuro. Mas não há qualquer dúvida de que as novas instituições irão necessariamente ter impacte na actividade arqueológica. Desde já, as interrogações são múltiplas: qual será o destino do Arquivo da Arqueologia Portuguesa, continuará na Ajuda? E em que quadro? Qual será o destino e enquadramento do Laboratório de Arqueociências ou da Biblioteca de Arqueologia? Que serviços associadas à Arqueologia continuarão na Ajuda e em que enquadramento? Consumar-se-á o divórcio entre actividade arqueológica e salvaguarda do Património, com a criação da nova empresa?
Seguro parece ser a não (re)criação de um Instituto Público dedicado à Arqueologia. Se essa fosse a intenção, certamente teria sido anunciada. O modelo de gestão que em boa hora foi desenhado para a Fundação Côa Parque, com uma tutela mista dos Ministérios da Cultura, Ambiente e Ciência (ao qual agora se poderia acrescentar o da Coesão Territorial) não parece fazer caminho na nova orgânica. Continuaremos a ter uma política de desinvestimento em qualquer serviço público associado à prática arqueológica e a passagem de toda essa actividade para a iniciativa privada, mesmo quando é a própria Administração Central a promover os trabalhos, como foi o caso na conclusão do Palácio da Ajuda ou da última fase das escavações do claustro da Igreja de S. Maria Maior, em Lisboa. Um futuro governo da ou integrando a Iniciativa Liberal não faria diferente.
Aguardemos, pois, uma apresentação mais concreta da nova orgânica do Ministério da Cultura para as diferentes áreas onde a Arqueologia continuará a estar presente.
Num cenário geral de desinvestimento / enfraquecimento das políticas públicas de proteção, conservação e valorização do Património Cultural, surgiu este mês a surpreendente (e grata) surpresa de ver quatro prémios da iniciativa Europa Nostra 2023 atribuídos a projectos portugueses. Um destes prémios tem particular ligação à Arqueologia, o merecido galardão de defensor do Património de Cláudio Torres.
O prémio de Cláudio Torres e do seu projecto do Campo Arqueológico de Mértola, sendo merecidíssimo, não faz justiça à dimensão multifacetada da acção do galardoado, que em muito transcende a protecção / valorização do Património Cultural.
Mértola é um caso de estudo que deveria estar sobre a mesa dos decisores políticos. Constitui um invulgar e bem-sucedido exemplo de promoção do desenvolvimento local, a partir do Património Cultural, solidamente “ancorado” no território, um valor endógeno omnipresente nas nossas regiões desertificadas do interior. Claúdio Torres soube eleger uma área concreta, até então, pouco valorizada, o legado islâmico, e transformá-la no centro da actividade do Campo Arqueológico de Mértola, que fundou, em ligação à Autarquia local. Diversificou os temas, recorde-se que a escavação e musealização da basílica do Rossio do Carmo, da Antiguidade Tardia, foi um dos primeiros projectos, ou seja, não somente o Islão esteve debaixo de foco. Soube também colocar a sua persona ao serviço do programa, seja pela presença mediática, expondo a sua história de vida (oposição à ditadura, fuga aventurosa para Marrocos, de barco, exílio e regresso), seja pela capacidade e atracção de jovens diplomados com os quais foi constituindo relevante “massa crítica” no local, não numa óptica de líder carismático, dominador, mas mais na perspectiva do “Mestre Camarada”, da pedagogia libertária.
Em suma, pegando numa vila duplamente periférica, no quadro nacional e no quadro regional (periferia esquecida de um Algarve turístico, litoralizado e focado no binómio sol e praia) conseguiu colocá-la no mapa. Hoje não há quem não identifique Mértola e esse é o imenso legado de Cláudio Torres. Não logrou estancar a perda de população no concelho, como amargamente os dados do Censo de 2021 expõem, mas deu um rumo e uma vida ao local, que será sem dúvida um poderoso instrumento de desenvolvimento sustentável presente e futuro. Mostrou em Mértola uma das vias possíveis para o combate à desertificação do interior, uma ferramenta de coesão local, regional, nacional, onde os vestígios do passado a sua leitura, mediação, partilha, desempenham relevante papel. Nem todos os locais poderão escolher um tema-bandeira, escassamente explorado, também não haverá muitas figuras com a dimensão de Cláudio Torres, dispostas a uma entrega militante e paciente a um projecto que só renderá frutos num médio / longo prazo. Mas o caminho está indicado, haja vontade, criatividade e acção.
A valorização e a mediação em torno do património cultural (arqueológico, incluído) constitui tarefa fundamental, para ir ao encontro dos princípios enunciados na Convenção-Quadro Europeia sobre o valor do Património Cultural para as Sociedades (Faro, 2005), daí a necessidade de promover o conhecimento e reconhecimento da sua presença e valor. Neste domínio, ganha sentido a grande iniciativa das Jornadas Europeias da Arqueologia, que o Inrap (França) promove, desafiando a adesão / participação de todos os agentes envolvidos nas práticas arqueológicas na Europa. Por isso, a Uniarq não poderia ficar de fora, aderindo e oferecendo diferentes contextos de exposição e partilha da sua investigação. Não aderimos a uma proposta nova, enquadramos nessa meritória iniciativa o que desde há muito fazemos. Como estamos em tempo de trabalhos de campo, convidamos os leitores desta newsletter a procurar os nossos investigadores nos locais onde decorrem as escavações. Como sempre, teremos gosto em recebê-los e apresentar-vos o que fazemos. As nossas tarefas de mediação não se esgotam no curto calendário das Jornadas Europeias de Arqueologia.
Continuamos a marcar presença nos encontros científicos realizados em âmbito nacional, como foi o caso das II Jornadas Internacionais de Arqueologia de Palmela Fazer o Lume, Fazer a Luz. Arqueologia do Fogo, um relevante e singular encontro de iniciativa autárquica, de abordagem temática em largo espectro, geográfico e cronológico. Não esquecemos também a nossa dimensão internacional, quer seja na Exposição de Turim do Projecto The Tale of Be-Archaeo, de que somos parceiros, ou o Encontro evocativo dos trinta anos da Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico (La Valetta, 1992), que decorreu em Paris.
Enquanto entidade de acolhimento de Projectos de Doutoramento e enquanto espaço de orientação e desenvolvimento de Dissertações de Mestrado, continuamos a acompanhar com apreensão a situação da Biblioteca de Arqueologia da Direcção-Geral do Património Cultural, um equipamento fundamental para o bom desenvolvimento destes trabalhos e de apoio à investigação arqueológico em geral.
NOTÍCIAS
UNIARQ nas Jornadas Europeias de Arqueologia
As Jornadas Europeias de Arqueologia têm vindo a marcar cada vez mais o calendário das actividades de divulgação da UNIARQ. Assim, temos vindo a organizar, normalmente em conjunto com os nossos parceiros, um conjunto diversificado de acções que visam mostrar os diferentes cenários em que se desenvolve a investigação da UNIARQ.
Este ano realizou-se uma visita de estudo no dia 16 de Junho, aberta a todos os interessados, à cidade romana de Ammaia, e que coincidiu com a etapa final dos trabalhos de laboratório que se realizaram com os estudantes na FLUL sobre os materiais daquela cidade romana. Aqui, o cartaz completou-se com actividades com as escolas locais. Outras instituições, parceiras da UNIARQ, realizaram também visitas: em Torres Novas o Museu Municipal organizou no dia 18 de Junho a acitividade “Por dentro do Sistema Cársico do Almonda: Arqueologia e Espeleologia”, com visitas às grutas do Almonda, com os arqueólogos do projecto de investigação ARQEVO, da STEA e PaleoAlmonda; em Coruche, o projecto ANSOR colaborou com o Museu e o Município nas II Jornadas de Arqueologia do Sorraia, iniciativa destinada a alunos do ensino básico; no Fortim do Baleal I, em Peniche, durante escavação no âmbito do projecto de doutoramento da UNIARQ "Espaço e Tempo", a Patrimonium realizou um dia aberto a toda a comunidade; por fim, no sítio da Quinta do Almaraz, em Almada, alvo também de projecto de doutoramento da UNIARQ, o município organizou, a par de visita guiada ao sítio arqueológico, duas oficinas de arqueologia experimental. |
Catarina Viegas e André Pereira
The Tale of Be-Archaeo inaugura em Turim
No passado dia 16 de Junho, a exposição The Tale of Be-Archaeo - between Science and Tradition inaugurou na Universidade de Turim, na Biblioteca Storica di Ateneo Arturo Graf. Agora sub-intitulada, Ancient Japan discoreved by science and archaeology, a exposição final do Projecto BE-ARCHAEO (BEyond ARCHAEOlogy: an advanced approach linking East to West through science, field archaeology, interactive museum experiences, Horizonte 2020 – acção Marie Skłodowska-Curie - No. 823826), mostra, agora a um público europeu, os principais resultado, obtidos até à data no âmbito deste projecto que se debruçou sobre o período Kofun (sécs. III-VII), do antigo Japão (https://www.bearchaeo.com/).
Construído numa óptica transdisciplinar, o projecto Be-Archaeo incidiu sobre o kofun de Tobiotsuka, desenvolvendo um protocolo de acção que iniciado com a prospecção geofísica do kofun, acompanhou o processo de escavação do tumulus e da câmara funerária, desenvolvendo depois análises de laboratório sobre cerâmicas, vidros e metais – parte fundamental dos espólios funerários recolhidos nestes monumentos.
A apresentação dos resultados, disponíveis também na base de dados BeA e através de uma viagem virtual feita ao Japão em ambiente imersivo, permite, pelo cruzamento dos diferentes ramos da ciência que se encontraram neste projecto, avaliar com maior precisão os ritmos da complexificação social, da transferência de tecnologias e das redes de troca de longa distância, bem como, com o final do período kofun, a progressiva afirmação de um poder centralizado de onde emergirá o Japão imperial.
Os kofuns, com um numero estimado de muitos milhares de monumentos, constroem-se para elites, de impacto local ou regional, capazes de mobilizar a mão de obra necessária, capazes de reunir armas, adornos e recipientes cerâmicos que, para além do seu significado ritual, reflectem o poder dos seus proprietários.
Construído numa óptica transdisciplinar, o projecto Be-Archaeo incidiu sobre o kofun de Tobiotsuka, desenvolvendo um protocolo de acção que iniciado com a prospecção geofísica do kofun, acompanhou o processo de escavação do tumulus e da câmara funerária, desenvolvendo depois análises de laboratório sobre cerâmicas, vidros e metais – parte fundamental dos espólios funerários recolhidos nestes monumentos.
A apresentação dos resultados, disponíveis também na base de dados BeA e através de uma viagem virtual feita ao Japão em ambiente imersivo, permite, pelo cruzamento dos diferentes ramos da ciência que se encontraram neste projecto, avaliar com maior precisão os ritmos da complexificação social, da transferência de tecnologias e das redes de troca de longa distância, bem como, com o final do período kofun, a progressiva afirmação de um poder centralizado de onde emergirá o Japão imperial.
Os kofuns, com um numero estimado de muitos milhares de monumentos, constroem-se para elites, de impacto local ou regional, capazes de mobilizar a mão de obra necessária, capazes de reunir armas, adornos e recipientes cerâmicos que, para além do seu significado ritual, reflectem o poder dos seus proprietários.
Mariana Diniz
II Jornadas Internacionais de Arqueologia de Palmela Fazer o Lume, Fazer a Luz. Arqueologia do Fogo
O Município de Palmela organizou as suas II Jornadas Internacionais de Arqueologia, prosseguindo uma iniciativa inovadora, já ensaiada nas primeiras, dedicadas ao amanhar da terra: a definição de temas abrangentes, sem delimitação geográfica ou cronológica, possibilitando a troca de experiências de trabalhos de temática comum. Se nas jornadas anteriores, os assuntos tratados iam do Neolítico à época Medieval / Moderna, estas segundas jornadas alargaram ainda mais o leque cronológico, estendendo-se até às origens do controle do fogo, arqueologicamente aferido.
O carácter internacional destas (e anteriores) Jornadas, conferido pelo convite a alguns especialistas de reconhecido mérito, enriquece a iniciativa. Os investigadores da UNIARQ estiveram uma vez mais presentes, expondo diversos aspectos das suas investigações em curso. Saúda-se igualmente a apresentação, no âmbito das Jornadas, do volume que reúne as contribuições das primeiras jornadas, uma prática fundamental para garantir a preservação do então exposto, para memória futura. |
Carlos Fabião
O Passado do Continente no presente, 30º aniversário da Convenção de La Valetta (Malta) para a protecção do património arqueológico na Europa
Por iniciativa da Cátedra Jean Monnet, da Universidade de Paris Nanterre, do Inrap (Institut National de Recherches Archéologiques Préventives) e do Minitério da Cultura francês realizou-se em Paris um Encontro Internacional que procurou ensaiar um balanço do impacte da Convenção nas práticas arqueológicas, nos diferentes países europeus.
O encontro contou com vários participantes, a título individual, que transmitiram as suas visões sobre a praxis arqueológica nos respectivos países e representações institucionais, Conselho da Europa, European Archaeological Council, Associação Europeia de Arqueólogos (EAA), bem como algumas intervenções convidadas, de que se destacam as de Vincent Negri, que expôs a evolução do quadro jurídico internacional de protecção do património, desde 1922 aos nossos dias, ou a de Jean-Paul Demoule, professor emérito e antigo presidente do Inrap, que abordou um tema central, que cruzou várias das intervenções: Arqueologia preventiva na Europa: serviço público ou mercado comercial?
O encontro contou com vários participantes, a título individual, que transmitiram as suas visões sobre a praxis arqueológica nos respectivos países e representações institucionais, Conselho da Europa, European Archaeological Council, Associação Europeia de Arqueólogos (EAA), bem como algumas intervenções convidadas, de que se destacam as de Vincent Negri, que expôs a evolução do quadro jurídico internacional de protecção do património, desde 1922 aos nossos dias, ou a de Jean-Paul Demoule, professor emérito e antigo presidente do Inrap, que abordou um tema central, que cruzou várias das intervenções: Arqueologia preventiva na Europa: serviço público ou mercado comercial?
Em duas jornadas muito ricas em informação, foi possível verificar os aspectos mais positivos da Convenção, a saber, a consolidação de uma arqueologia preventiva, em lugar da arqueologia de emergência ou de salvamento; o nascimento generalizado da arqueologia como campo profissional. Com vozes críticas mais ou menos assertivas, conclui-se que a Convenção de Malta constituiu um importante marco para a arqueologia europeia, possibilitando um desenvolvimento exponencial do conhecimento do passado e das acções de conservação e valorização do património arqueológico. Reconheceu-se também haver ainda um longo caminho a percorrer para aproximar a arqueologia das populações e fazer delas parte activa nestes processos, uma vez que ao profissionalizar a prática arqueológica se afastou o envolvimento cidadão, quer a nível individual, quer associativo. Há caminho por fazer na direcção do estipulado pela Convenção-Quadro Europeia sobre o valor do Património Cultural para as Sociedades (Faro, 2005), apesar de muitos países disporem de plataformas digitais de livre acesso que reúnem os relatórios das intervenções arqueológicas realizadas – uma medida que, incompreensivelmente, o nosso Ministério da Cultura teima em não adoptar.
Nos diferentes países da Europa, a aplicação da Convenção de Malta seguiu caminhos diversos, desde as opções de conservar a arqueologia na esfera pública, como serviço que compete ao Estado assegurar (casos da Dinamarca ou da França onde não há ou quase não há arqueologia empresarial) aos casos de teor neo-liberal, com o Estado a assumir um papel fiscalizador, mas ausente das intervenções concretas de arqueologia preventiva, como é o caso português ou croata. Estes dois países partilham ainda o percurso comum de terem criado institutos públicos dedicados à Arqueologia, posteriormente extintos e integrados em instituições de gestão do Património Cultural de pendor generalista, onde a especificidade arqueológica se diluiu.
Sem surpresa, os países onde é maior a liberalização das intervenções arqueológicas, há problemas na gestão e conservação dos espólios arqueológicos; igualmente sem surpresa, regista-se um problema transversal de afectação dos sítios, pela acção dos detectoristas, quer lúdicos, quer associados ao tráfico ilícito de antiguidades, facilitado pelo esbatimento das fronteiras.
Nos diferentes países da Europa, a aplicação da Convenção de Malta seguiu caminhos diversos, desde as opções de conservar a arqueologia na esfera pública, como serviço que compete ao Estado assegurar (casos da Dinamarca ou da França onde não há ou quase não há arqueologia empresarial) aos casos de teor neo-liberal, com o Estado a assumir um papel fiscalizador, mas ausente das intervenções concretas de arqueologia preventiva, como é o caso português ou croata. Estes dois países partilham ainda o percurso comum de terem criado institutos públicos dedicados à Arqueologia, posteriormente extintos e integrados em instituições de gestão do Património Cultural de pendor generalista, onde a especificidade arqueológica se diluiu.
Sem surpresa, os países onde é maior a liberalização das intervenções arqueológicas, há problemas na gestão e conservação dos espólios arqueológicos; igualmente sem surpresa, regista-se um problema transversal de afectação dos sítios, pela acção dos detectoristas, quer lúdicos, quer associados ao tráfico ilícito de antiguidades, facilitado pelo esbatimento das fronteiras.
Carlos Fabião
INVESTIGAÇÃO NA UNIARQ
ESPECIAL CAMPANHAS DE VERÃO 2023
Iniciaram-se, em Maio, as campanhas de investigação de campo e de laboratório dos investigadores da UNIARQ, que se prolongarão até ao mês de Setembro.
CAMPO:
1. Orca do Pisão (Nelas). Bronze Final. Projecto NeoMEGA2: Neolitização e Megalitismo da Plataforma do Mondego. José Quintã Ventura e Luís Laceiras;
2. Orca da Lapa do Lobo (Nelas). Neolítico. Projecto NeoMEGA2: Neolitização e Megalitismo da Plataforma do Mondego. José Quintã Ventura e Luís Laceiras;
3. Monumento da Víbora (Carregal do Sal). Bronze Final. Projecto NeoMEGA2: Neolitização e Megalitismo da Plataforma do Mondego. José Quintã Ventura e Telma O. Ribeiro;
4. Orca 1 de Troviscos (Carregal do Sal). Neolítico Final e Bronze Antigo. Projecto NeoMEGA2: Neolitização e Megalitismo da Plataforma do Mondego. José Quintã Ventura e Telma O. Ribeiro;
5. Abrigo da Gruta da Buraca da Moira (Leiria). Gravetense a Calcolítico. Projecto EcoPLis - Ecónonos Plistocénicos na Bacia do Rio Lis. Telmo Pereira;
6. Abrigo da Senhora das Lapas (Tomar). Projecto ARQEVO: Arqueologia e Evolução dos Primeiros Humanos na Fachada Atlântica da Península Ibérica. Alexandre Varanda, Luis Gomes, João Zilhão e Filipa Rodrigues;
7. Gruta do Caldeirão (Tomar). Paleolítico Médio/Superior. Projecto ARQEVO: Arqueologia e Evolução dos Primeiros Humanos na Fachada Atlântica da Península Ibérica. Luis Gomes, João Zilhão e Alexandre Varanda;
8. Gruta do Aderno (Torres Novas). Paleolítico Inferior. Projecto Arqueologia e evolução dos primeiros humanos na fachada atlântica da Península Ibérica (ARQEVO 2). Henrique Matias e João Zilhão;
9. Villa Cardílio (Torres Novas). Romano (I-IV/V d.C.). Projecto Villa Cardílio: a romanização da bacia hidrográfica do Almonda. Victor Filipe;
10. Fortim do Baleal 1 (Peniche). Neolítico antigo. Projecto Espaço e Tempo. Paleoambiente e Povoamento do 6º ao 3º milénio a.n.e na região de Peniche. Luis Rendeiro;
11. Povoado pré-histórico do Paço (Lourinhã / Peniche). Calcolítico. Projecto Espaço e Tempo. Paleoambiente e Povoamento do 6º ao 3º milénio a.n.e na região de Peniche. Luis Rendeiro;
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12. Grutas nas Cesaredas (Peniche, Lourinhã e Bombarral). Neo-Calcolítico. Projecto O "Megalitismo de gruta" na Estremadura. As práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e (2021.07362.BD). Daniel van Calker
13. Vila Nova de São Pedro (Azambuja). Calcolítico. Projecto Vila Nova de São Pedro (VNSP3000). Mariana Diniz, Andrea Martins e César Neves;
14. Cidade Romana de Ammaia (Marvão). Romano e Antiguidade Tardia. Projecto Cidade Romana de Ammaia. Escavação no anfiteatro no âmbito do Projecto de colaboração da Uniarq com o Museo Nacional de Arte Romano (Mérida), financiado pela Fundação “La Caixa”, no âmbito do programa Promove / Regiões Transfronteiriças. Carlos Fabião e Amílcar Guerra;
15. Estremadura Portuguesa. Neo-Calcolítico. Projecto IberAmber: Âmbar local e redes de troca na pré-história da Península Ibérica: caracterização das fontes portuguesas como um caso de estudo global (2022.09207.PTDC). Carlos Odriozola, Ana Catarina Sousa e João Duarte;
16. Tapada de Mafra. Vários. Projecto PATM: Paisagens Antigas da Tapada de Mafra. Ana Catarina Sousa e Marta Miranda
17. Castelo / Paço (Arruda dos Vinhos). Calcolítico, Idade do Ferro, Romano e Idade Contemporânea. Projecto CASTELO. Ana Catarina Sousa e Jorge Lopes;
18. Barranco do Farinheiro (Coruche). Calcolítico e Idade do Bronze. Projecto ANSOR: Antropização do Vale do Sorraia. Victor S. Gonçalves e Ana Catarina Sousa;
19. Alto da Vigia (Sintra). Projecto de Valorização do sítio arqueológico do Alto da Vigia. Romano e Islâmico. Alexandre Gonçalves;
20. Quinta do Almaraz (Almada). Idade do Ferro (VII - V a.C.). Projecto In.QA - Quinta do Almaraz: sociedade, economia e quotidianos durante o 1º milénio a.n.e. Ana Olaio;
21. Megalitismo de Évora. Neo-Calcolítico. Projecto O «território megalítico» de Évora: para uma filosofia da Paisagem e das Arquitecturas (2022.13053.BD). Frederico Agosto
22. São Romão do Sado (Alcácer do Sal). Moderno e Contemporâneo. Projecto ECOFREEDOM: Ecologias da Liberdade: Materialidades da Escravidão e Pós-emancipação no Mundo Atlântico (PTDC/HAR-ARQ/4540/2021). Rui Gomes Coelho;
23. Monte Molião (Lagos). Idade do Ferro e Época Romana (s. IV a.C. a II d.C.) . Projecto Monte Molião na Antiguidade IV (MOLA IV). Ana Margarida Arruda e Elisa de Sousa.
LABORATÓRIO:
5. Abrigo da Gruta da Buraca da Moira (Leiria). Gravetense a Calcolítico. Projecto EcoPLis - Ecónonos Plistocénicos na Bacia do Rio Lis. Telmo Pereira;
6. Abrigo da Senhora das Lapas (Tomar). Projecto ARQEVO: Arqueologia e Evolução dos Primeiros Humanos na Fachada Atlântica da Península Ibérica. Alexandre Varanda, Luis Gomes, João Zilhão e Filipa Rodrigues;
7. Gruta do Caldeirão (Tomar). Paleolítico Médio/Superior. Projecto ARQEVO: Arqueologia e Evolução dos Primeiros Humanos na Fachada Atlântica da Península Ibérica. Luis Gomes, João Zilhão e Alexandre Varanda;
8. Gruta do Aderno (Torres Novas). Paleolítico Inferior. Projecto Arqueologia e evolução dos primeiros humanos na fachada atlântica da Península Ibérica (ARQEVO 2). Henrique Matias e João Zilhão;
9. Villa Cardílio (Torres Novas). Romano (I-IV/V d.C.). Projecto Villa Cardílio: a romanização da bacia hidrográfica do Almonda. Victor Filipe;
13. Vila Nova de São Pedro (Azambuja). Calcolítico. Projecto Vila Nova de São Pedro (VNSP3000). Mariana Diniz, Andrea Martins e César Neves;
24. Laboratório das Colecções da Arqueologia Colonial Portuguesa / FLUL. Paleolítico. Projecto Colecções da Arqueologia Colonial Portuguesa. João Pedro Cunha-Ribeiro e Paula Nascimento;
25. Laboratório Cerâmica Romana de Ammaia - Zooarqueologia / FLUL. Romano. Projecto CIdade romana de Ammaia. Carlos Fabião, Catarina Viegas e Cleia Detry;
26. Laboratório de Ciência de Dados, Inteligência Artificial e Arqueologia Contemporânea / FLUL. Vários. Projecto TALOS (2020.08612.BD). Daniel Carvalho.
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Investigação em Curso: trabalho de laboratório nas Coleções da Arqueologia Colonial Portuguesa
No passado dia 9 de junho, encerrou-se mais um período de trabalho laboratorial das "Coleções da Arqueologia Colonial Portuguesa", realizado nas instalações da Faculdade de Letras. Os trabalhos, inseridos no projeto "Arqueologia, Memória e Educação: Coleções da Arqueologia Colonial Portuguesa”, decorreram sob a orientação sob a direção de João Pedro Cunha Ribeiro (UNIARQ | FLUL) e de Ana Godinho (MUHNAC), com a supervisão de Paula Nascimento (UNIARQ | FLUL), projeto esse iniciado pelo saudoso Professor João Carlos Senna-Martínez.
Decorrido mais um ano, realizou-se uma nova sessão de trabalho laboratorial com as "Coleções da Arqueologia Colonial Portuguesa", que contou com a participação de estudantes de Licenciatura e Mestrado em Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O principal objetivo dos trabalhos realizados até ao presente (desde 2021) centrou-se no inventário dos materiais arqueológicos provenientes de Campangombe Velho, uma importante jazida do Sudoeste de Angola, caracterizada pela abundância e qualidade dos seus artefactos. Nesta nova campanha, foi possível constatar e confirmar, mais uma vez, que se trata de uma jazida composta por uma grande quantidade de materiais líticos talhados, com perto de 100 mil peças. Neste momento, encontramo-nos aproximadamente a meio do processo da sua inventariação minuciosa, com o objetivo de avaliar a natureza dos vestígios preservados e analisar a escassa presença de large cutting tools, inevitavelmente comparando a jazida com as realidades conhecidas noutros locais próximos. As características tipo-tecnológicas da coleção permitem destacar algumas das principais peculiaridades da jazida, sugerindo a associação do seu espólio a uma fase da Middle Stone Age provavelmente já bem próxima da Late Stone Age. De momento o inventário realizado abarca mais de 50% do total da coleção de Campangombe Velho. Com a continuação dos trabalhos pretende-se no futuro concluir o a análise de todos os materiais desta jazida, bem como alargar tal estudo às restantes coleções, com o objetivo de criar uma melhor perceção do seu valor patrimonial e partilhar, naturalmente os resultados alcançados, com os investigadores e a comunidade académica dos territórios de onde provêm. |
João Pedro Cunha-Ribeiro e Paula Nascimento
Laboratório Cerâmicas da Ammaia e Zooarqueologia
A cadeira de Trabalho de Campo e Laboratório sobre as cerâmicas da Ammaia e Zooarqueologia teve início a 29 de maio e decorreu na Faculdade de Letras da UL.
Logo no primeiro dia, uma interessante apresentação de Carlos Fabião sobre as escavações e investigações na cidade da Ammaia (S. Salvador de Aramenha, Marvão), fazendo o enquadramento dos materiais que iriam ser estudados.
Seguiram-se dias de muito trabalho, com a primeira semana a ser dedicada ao tema da Zooarqueologia. Primeiro foram lavados e marcados esqueletos da coleção de comparação, permitindo que os alunos tivessem mais contacto com esqueletos completos e se familiarizassem com a anatomia das espécies mais comuns em contexto arqueológico.
Numa segunda fase passámos ao estudo de faunas dos armazéns Sommer, do período Medieval e Moderno. Os estudantes a serem confrontados com o desafio de analisarem e identificarem morfologicamente os ossos a registar e posteriormente identificar a espécie a que pertenciam, utilizando a coleção de referência da UNIARQ. Foram ainda registados o grau de desgaste dos dentes, medidas de ossos e dentes e ainda a marcas de corte, fogo ou de outros animais a roerem os ossos.
A terminar o estudo das faunas, visitámos o Laboratório de Arqueociências da Direção Geral do Património Cultural na Ajuda, onde Sónia Gabriel e Dulce Ferreira fizeram uma visita guiada a uma das mais relevantes coleções de referência da Península Ibérica. Aqui, os alunos tiveram oportunidade de identificarem alguns mamíferos e aves cujas espécies não estavam presentes na coleção de referência da UNIARQ.
Logo no primeiro dia, uma interessante apresentação de Carlos Fabião sobre as escavações e investigações na cidade da Ammaia (S. Salvador de Aramenha, Marvão), fazendo o enquadramento dos materiais que iriam ser estudados.
Seguiram-se dias de muito trabalho, com a primeira semana a ser dedicada ao tema da Zooarqueologia. Primeiro foram lavados e marcados esqueletos da coleção de comparação, permitindo que os alunos tivessem mais contacto com esqueletos completos e se familiarizassem com a anatomia das espécies mais comuns em contexto arqueológico.
Numa segunda fase passámos ao estudo de faunas dos armazéns Sommer, do período Medieval e Moderno. Os estudantes a serem confrontados com o desafio de analisarem e identificarem morfologicamente os ossos a registar e posteriormente identificar a espécie a que pertenciam, utilizando a coleção de referência da UNIARQ. Foram ainda registados o grau de desgaste dos dentes, medidas de ossos e dentes e ainda a marcas de corte, fogo ou de outros animais a roerem os ossos.
A terminar o estudo das faunas, visitámos o Laboratório de Arqueociências da Direção Geral do Património Cultural na Ajuda, onde Sónia Gabriel e Dulce Ferreira fizeram uma visita guiada a uma das mais relevantes coleções de referência da Península Ibérica. Aqui, os alunos tiveram oportunidade de identificarem alguns mamíferos e aves cujas espécies não estavam presentes na coleção de referência da UNIARQ.
Na quinzena seguinte o foco voltou-se para o conjunto de cerâmica comum e de ânforas provenientes do fórum da cidade de Ammaia, provenientes das campanhas mais recentes. Com algumas sessões teóricas sobre as diferentes categorias da cerâmica e as metodologias para o seu estudo, os trabalhos decorreram sobretudo com actividades práticas realizadas pelos estudantes. Além do inventário, que implicou a classificação das cerâmicas comuns segundo a sua forma e fabrico, realizou-se ainda o desenho de algumas destas peças. Trata-se na esmagadora maioria de formas relacionadas com o ambiente doméstico (serviço de mesa, cozinha, preparação de alimentos) de fabricos que serão muito provavelmente de âmbito local/regional, registando-se escassas importações itálica e béticas.
No estudo das ânforas das campanhas mais recentes deu-se especial atenção às produções lusitanas que são maioritárias, sendo as importações béticas também expressivas. Esta oportunidade permitiu aos estudantes familiarizarem-se com as técnicas que usamos para o estudo dos materiais e no final fizemos ainda a comparação dos resultados obtidos no estudo das ânforas com o que já se conhecia da cidade de Ammaia, confrontando ainda com os conjuntos de Mérida e Idanha ou com as villae romanas alentejanas. Assim, o ciclo de classificação e inventário fechou ainda com estas primeiras tentativas de interpretação dos dados obtidos. Como despedida fizemos ainda uma visita de estudo à Cidade da Ammaia, em Marvão, no último dia, a 16 de Junho, altura em que visitámos o museu, o laboratório e as ruínas e registámos os avanços nas escavações. Esta visita enquadrou-se nas actividades das Jornadas Europeias de Arqueologia. |
Catarina Viegas e Cleia Detry
Projecto ANSOR e as Jornadas Europeias de Arqueologia
O projecto ANSOR, que decorre sob a direcção de Victor S. Gonçalves e Ana Catarina Sousa, organizou, com o Museu Municipal de Coruche / Câmara Municipal de Coruche, as II Jornadas de Arqueologia do Sorraia, inseridas nas Jornadas Europeias de Arqueologia.
O programa incluiu uma oficina dedicada à comunidade educativa da Erra, tendo participado cerca de 50 crianças do Jardim de Infância e Escola Básica. A equipa de estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa teve oportunidade de divulgar junto dos mais novos alguns conceitos básicos da actividade arqueológica e da Pré-História das Sociedades Camponesas, dando a conhecer dois sítios situados nas imediações da Erra: Barranco do Farinheiro e Cabeço do Pé da Erra.
A oficina educativa iniciou-se na escola com a parte teórica e uma actividade prática de colagem de replicas de vasos cerâmicos. Posteriormente as crianças foram convidadas a participar numa área de escavação montada especialmente para o efeito.
Complementarmente, no final do dia a população pôde visitar as escavações arqueológicas no Barranco do Farinheiro, tendo sido disponibilizado transporte a partir da Erra e de Coruche.
O programa incluiu uma oficina dedicada à comunidade educativa da Erra, tendo participado cerca de 50 crianças do Jardim de Infância e Escola Básica. A equipa de estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa teve oportunidade de divulgar junto dos mais novos alguns conceitos básicos da actividade arqueológica e da Pré-História das Sociedades Camponesas, dando a conhecer dois sítios situados nas imediações da Erra: Barranco do Farinheiro e Cabeço do Pé da Erra.
A oficina educativa iniciou-se na escola com a parte teórica e uma actividade prática de colagem de replicas de vasos cerâmicos. Posteriormente as crianças foram convidadas a participar numa área de escavação montada especialmente para o efeito.
Complementarmente, no final do dia a população pôde visitar as escavações arqueológicas no Barranco do Farinheiro, tendo sido disponibilizado transporte a partir da Erra e de Coruche.
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Ana Catarina Sousa
Laboratório de Ciência de Dados, Inteligência Artificial e Arqueologia Contemporânea
Uma nova edição do trabalho de Laboratório TALOS decorreu nas instalações da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, durante o mês de Junho. Inserido no projeto de doutoramento O Teórico Artificial: identificar conceitos, ideias e padrões no discurso arqueológico na Península Ibérica (XX-XXI) com recurso a métodos de Inteligência Artificial e Aprendizagem Automática (2020.08612.BD), procurou tratar várias temáticas inseridas no âmbito da Ciência de Dados aplicada à Arqueologia; a Arqueologia Contemporânea e a Inteligência Artificial e novas tecnologias. Durante o laboratório, cada participante trabalhou num projeto individual a que adicionou, numa lógica cumulativa, os novos saberes que foram transmitidos. Para esse efeito, foram lecionados softwares como RawGraphs, para realização de gráficos customizados; Visone, para a construção de redes; QGIS, para a produção de cartografia digital; Mendeley, para gerir bibliografia e TinkerCad, para compreender os fundamentos da modelação 3D, a serem mais aprofundados em Blender. A par de uma componente eminentemente prática foram criados espaços de debate com o foco na emergência de novas metodologias e perspetivas na Arqueologia Contemporânea – Arqueologia dos Plásticos, do E-Waste, do Património imaterial como alguns dos seus exemplos – tal como o papel da própria disciplina no mundo e sociedade contemporânea, discutindo questões epistemológicas, éticas e sociais. Os participantes puderam igualmente realizar apresentações dos seus projetos, tendo-lhes sido dadas as bases de escrita científica, comunicação da ciência e de estruturação de trabalho académico. Pensar a Arqueologia continuou a ser o mote desta edição, onde as mais recentes correntes teóricas – Pós-Humanismo, Object-Oriented-Ontology, Humanness – foram expostas e deslindadas, aliando, mais uma vez, a prática com a teoria, ou a teoria com a prática, como não poderia deixar de ser.
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Daniel Carvalho
INVESTIGADOR VISITANTE NA UNIARQ
José Luis Martínez Boix (Universidade de Alicante)
José Luis Martínez Boix, doutorando do Instituto de Investigação em Arqueologia e Património Histórico da Universidade de Alicante, realizou uma estadia de investigação na UNIARQ durante os meses de Maio e Junho. O investigador encontra-se a realizar a sua tese sobre o estudo da cerâmica pintada tardo-ibérica e a sua relação com a romanização, graças a um contrato FPU do Ministério da Ciência, sob a orientação da Dra. Feliciana Sala Sellés. Neste trabalho de doutoramento, são revistos os contextos arqueológicos e as interpretações iconográficas destas produções cerâmicas pintadas, estudado o processo de imitação das formas da cerâmica romana e a distribuição destas peças em sítios da Península Ibérica, Itália e Norte de África no século I a.C. e inícios do século I d.C. Durante a sua visita à Universidade de Lisboa, sob a tutela de Carlos Fabião, fez uma revisão da bibliografia e dos contextos do aparecimento romano-republicano da cerâmica ibérica pintada, ligada à conquista e romanização da Lusitânia.
PEÇA DO MÊS
Espiral em Ouro nativo (OROR 86.700)
Proveniência: Orca do Outeiro do Rato (Carregal do Sal, Viseu).
Cronologia: Bronze antigo? (2300 a 1700 cal BC?).
Direção dos trabalhos: Intervenção de 1986, direção de Rosa Amaro e J. C. Senna-Martinez.
Descrição: Espiral de arame de ouro nativo (com elevada percentagem de prata 11,1±0,6%), encontrada entre os remeximentos da câmara megalítica, que foi violada e destruída em 1903 (Cruz, B. 1899-1903).
Tem quatro espirais e um diâmetro médio de aproximadamente 1,6cm por 2cm de comprimento.
O arame tem uma seção aproximadamente circular e uma das extremidades cortada em bisel.
Os paralelos mais imediatos conhecidos, conquanto que em prata, são as espirais encontradas em monumentos megalíticos do Noroeste português (Jorge, 1983/84:37) às quais poderemos ainda juntar as em ouro da cista da Quinta da Água Branca (Fortes, 1906) colocadas na transição do Calcolítico para o Bronze.
Desta forma pode-se considerar que as primeiras joias de ouro peninsular surgem em contextos claramente associados a deposições cerâmicas tardias, nomeadamente de materiais campaniformes ou tradição campaniforme, nomeadamente como ocorre na Orca do Outeiro do Rato, onde num átrio frontal foram depositados pelo menos três recipientes com decoração campaniforme: dois vasos campaniformes clássicos, de perfil em S, um com decoração a pente de «estilo marítimo», em bandas em espinha, alternadas com bandas lisas e outro com bandas em espinha, separadas por bandas de quatro linhas horizontais, ambas em pontilhado de roleta e o terceiro recipiente, uma taça acampanada, com pontilhado de roleta, associa uma linha sobre o bordo donde pendem triângulos e uma banda formada por duas linhas onduladas e encadeadas e uma linha sobre a carena sobre uma banda em xadrez.
De destacar também que neste conjunto cerâmico destaca-se um Pote de colo estrangulado, não decorado e uma taça parabólica decorada com uma banda sob o lábio limitada por linhas incisas e preenchida por incisões oblíquas formando espiga.
Cronologia: Bronze antigo? (2300 a 1700 cal BC?).
Direção dos trabalhos: Intervenção de 1986, direção de Rosa Amaro e J. C. Senna-Martinez.
Descrição: Espiral de arame de ouro nativo (com elevada percentagem de prata 11,1±0,6%), encontrada entre os remeximentos da câmara megalítica, que foi violada e destruída em 1903 (Cruz, B. 1899-1903).
Tem quatro espirais e um diâmetro médio de aproximadamente 1,6cm por 2cm de comprimento.
O arame tem uma seção aproximadamente circular e uma das extremidades cortada em bisel.
Os paralelos mais imediatos conhecidos, conquanto que em prata, são as espirais encontradas em monumentos megalíticos do Noroeste português (Jorge, 1983/84:37) às quais poderemos ainda juntar as em ouro da cista da Quinta da Água Branca (Fortes, 1906) colocadas na transição do Calcolítico para o Bronze.
Desta forma pode-se considerar que as primeiras joias de ouro peninsular surgem em contextos claramente associados a deposições cerâmicas tardias, nomeadamente de materiais campaniformes ou tradição campaniforme, nomeadamente como ocorre na Orca do Outeiro do Rato, onde num átrio frontal foram depositados pelo menos três recipientes com decoração campaniforme: dois vasos campaniformes clássicos, de perfil em S, um com decoração a pente de «estilo marítimo», em bandas em espinha, alternadas com bandas lisas e outro com bandas em espinha, separadas por bandas de quatro linhas horizontais, ambas em pontilhado de roleta e o terceiro recipiente, uma taça acampanada, com pontilhado de roleta, associa uma linha sobre o bordo donde pendem triângulos e uma banda formada por duas linhas onduladas e encadeadas e uma linha sobre a carena sobre uma banda em xadrez.
De destacar também que neste conjunto cerâmico destaca-se um Pote de colo estrangulado, não decorado e uma taça parabólica decorada com uma banda sob o lábio limitada por linhas incisas e preenchida por incisões oblíquas formando espiga.
Bibliografia:
Cruz, P.B. (1903) - «Ruinas da Orca do Outeiro do Rato», in: Portugalia, I, p. 812
Fortes, J. (1906) - «A sepultura da Quinta da Agua Branca», in: Portugalia, II, p. 241.
Jorge, S. O. (1983/84) - «Aspectos da evolução pré-histórica do Norte de Portugal durante o III e o II milénios A.C.», in: Portugalia (N.S.), IV/V, p. 97-109.
Senna-Martinez, J. C. & Amaro, R. (1987) - «Campaniforme tardio e inícios da Idade do Bronze na Orca do Outeiro do Rato, Lapa do Lobo: nota preliminar», in: Da Pré-História à História, Lisboa, Delta, p. 265-71
Senna-Martinez, J. C. (1989) – Pré-História Recente da Bacia do Médio e Alto Mondego: algumas contribuições para um modelo sociocultural. Tese de Doutoramento em Pré-História e Arqueologia. Universidade de Lisboa. 3 Vols. policop.
Cruz, P.B. (1903) - «Ruinas da Orca do Outeiro do Rato», in: Portugalia, I, p. 812
Fortes, J. (1906) - «A sepultura da Quinta da Agua Branca», in: Portugalia, II, p. 241.
Jorge, S. O. (1983/84) - «Aspectos da evolução pré-histórica do Norte de Portugal durante o III e o II milénios A.C.», in: Portugalia (N.S.), IV/V, p. 97-109.
Senna-Martinez, J. C. & Amaro, R. (1987) - «Campaniforme tardio e inícios da Idade do Bronze na Orca do Outeiro do Rato, Lapa do Lobo: nota preliminar», in: Da Pré-História à História, Lisboa, Delta, p. 265-71
Senna-Martinez, J. C. (1989) – Pré-História Recente da Bacia do Médio e Alto Mondego: algumas contribuições para um modelo sociocultural. Tese de Doutoramento em Pré-História e Arqueologia. Universidade de Lisboa. 3 Vols. policop.
José Ventura
AGENDA
Encontro
CIÊNCIA 2023: Ciência e Oceano para além do horizonte 5 a 7 de Julho | Aveiro Mais informação AQUI |
Exposição
The Tale of Be-Archaeo 16 de junho a 7 de julho Sala Athenaeum, Bliblioteca Storica di Ateneo Arturo Graf, Turim |
Dia Aberto
Povoado de Vila Nova de São Pedro 13 de Julho Vila Nova de São Pedro, Azambuja |
Lançamento do volume 20 de "Estudos & Memórias"
Olisipo (Lisboa). O grande porto da fachada atlântica. Economia e comércio 19 de Julho Faculdade de Letras de Lisboa |
Participações em Congressos, Colóquios e Conferências
The Prehistoric Society Europa Conference 2023: "Peopling the Past: Reflecting on Prehistoric Europe"
«Bodies that Mattered: Dress, Adornment, and the Social Body in the Portuguese Late Bronze Age (12th – 8th /7th centuries BCE)» Comunicação de Francisco B. Gomes 2 a 4 de Junho | Cambridge, UK Jornadas Internacionais de Arqueologia "Fazer o lume, fazer a luz. Arqueologia e Fogo"
Participação de João Zilhão, Nelson J. Almeida, João Luis Cardoso, Jacinta Bugalhão, Catarina Viegas, Rui Roberto de Almeida, Joaquina Soares, Rui Monge Soares e Mariana Nabais 22 a 25 de Junho | Palmela |
Colóquio "Le passé du continent au présent : 30e anniversaire de la Convention de La Valette (Malte) pour la protection du patrimoine archéologique en Europe"
«25 ans d’application au Portugal de la Convention de la Valleta» Comunicação de Carlos Fabião 26 e 27 de Junho | Paris, França IV Encontro de Arqueologia de Lisboa "Arqueologia na Cidade"
Participação de Cleia Detry, Henrique Matias, Maria Melo, Cristina Gameiro, Ana Beatriz Santos, Jacinta Bugalhão e Victor Filipe 29 e 30 de Junho | Teatro Aberto, Lisboa |
Publicações em Acesso Aberto no Repositório da UL
Wichmann, S., Ferraz Gerardi, F., Tresoldi, T., Coelho Aragon, C., Reichert, S., de Souza, J. G., & Noelli, F. S. (2023). Lexical phylogenetics of the Tupí-Guaraní family: Language, archaeology, and the problem of chronology. PLoS One, 18(6) e0272226. doi: 10.1371/journal.pone.0272226
hdl.handle.net/10451/58409 |
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